União indissociável entre saúde animal, humana e ambiental, a Saúde Única tem ganhado destaque nas últimas décadas, mas, na verdade, o conceito surgiu no século 19, quando o patologista alemão Rudolf Virchow afirmou que entre animais e a Medicina Humana não havia e nem deveria haver divisórias. Foi ele quem criou o termo zoonose para definir as doenças transmitidas pelos animais ao ser humano.
Dentro deste conceito, o médico-veterinário é reconhecido como peça-chave, com um leque amplo de atuação junto aos demais profissionais de saúde. Sua inserção nos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf), a partir de 2012, foi determinante para o efetivo reconhecimento de sua contribuição na promoção da saúde.
Entretanto, a atuação desses profissionais ainda é restrita. No estado de São Paulo, que possui 645 municípios, há apenas 16 cidades com médicos-veterinários compondo as equipes dos Núcleos. Surpreendentemente, a Capital não faz parte desse rol.
“O Nasf objetiva apoiar, assessorar e ampliar a oferta de saúde com bases multiprofissionais complementares. E a Medicina Veterinária pode contribuir de forma ampliada por sua competência abrangente e sistêmica sobre os diversos fatores de riscos à saúde a que estão submetidas as comunidades”, ressalta o médico-veterinário Carlos Augusto Donini, conselheiro e presidente da Comissão Técnica de Políticas Públicas (CTPP) do CRMV-SP.
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(Carlos Augusto Donini)
Orientação individual e coletiva
A médica-veterinária Eukira Enilde Monzani reitera a importância do trabalho no Nasf levando informações sobre zoonoses, vetores e até em caso de desastres naturais. “Nosso trabalho envolve orientação individual e coletiva, palestras e ações educativas em escolas e empresas e no âmbito de saúde da família, com visitas domiciliares em casos de sarna, piolho, arboviroses, maus-tratos”, explica a profissional que participa, desde 2012, do Nasf de Descalvado, primeira cidade no estado de São Paulo a incluir o médico-veterinário em sua equipe.
Adriana Maria Lopes Vieira, presidente da Comissão Técnica da Saúde Pública Veterinária (CTSPV) do CRMV-SP destaca, ainda, que os Núcleos foram criados com a perspectiva de ampliar a capacidade de resposta à maior parte dos problemas de saúde da população na Atenção Básica (AB) com equipes multiprofissionais. E a inclusão do médico-veterinário é o reconhecimento da contribuição deste profissional na promoção da Saúde Única.
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(Carlos Augusto Donini)
Falta conscientização
A importância da atuação do médico-veterinário dentro do conceito de Saúde Única é indiscutível e sua inclusão no Nasf é irrevogável, mas falta maior conscientização. “O conceito de Saúde Única permeia a quase totalidade das práticas, ações e intervenções da Medicina Veterinária na sociedade. Resta apenas institucionalizá-lo em cada profissional, principalmente, em sua formação e aprimoramento”, afirma Donini.
Para Adriana, a maior contribuição do médico-veterinário é atuar com competência e divulgar seu papel na efetivação de ações visando à Saúde Única, não apenas junto aos demais profissionais que atuam na área da saúde, mas aos de outras áreas, aos gestores “e, principalmente, junto à população, uma vez que a sociedade ainda desconhece a amplitude de atuação da Medicina Veterinária”.
Gestão pública
Ainda há muito espaço a ser conquistado pelo profissional médico-veterinário no âmbito da gestão pública. A incorporação do conceito de Saúde Única pelo SUS, proposta defendida pelo CRMV-SP, certamente, abrirá grande e merecido campo de trabalho, mas para isso é preciso visão dos gestores públicos.
De acordo com Adriana, a iniciativa “One Health” (Saúde Única) tem sido seriamente discutida no mundo, no entanto, no Brasil ainda há muito a ser feito. “A incorporação do conceito de Saúde Única pelo SUS é um importante passo para conceber soluções adaptáveis, prospectivas e multidisciplinares para o enfrentamento dos desafios que sem dúvida temos pela frente”, ressalta.
Entre as inúmeras possibilidades de atuação do médico-veterinário dentro do conceito de Saúde Única, a presidente da CTSPV, destaca:
1- na área clínica: diagnóstico de zoonoses; vacinação; orientação sobre comportamento animal; orientação quanto ao manejo de animais de serviço, como cães-guia ou pets terapeutas;
2- no caso de maus-tratos: animais podem ser preditores de violência doméstica, e os médicos-veterinários podem auxiliar por meio de notificação de suspeita junto aos setores responsáveis pela investigação;
3- parcerias com Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e equipes Consultório na Rua (eCR) para desenvolver ações integradas às Unidades Básicas de Saúde (UBS) para o atendimento às pessoas em situação de rua que vivem em contato com animais;
4- nos serviços de inspeção e na composição de equipes de vigilância sanitária;
5- na criação, manutenção, manejo, garantia de sanidade e de bem-estar, dentre outras atribuições, para animais mantidos em biotérios, bem como no desenvolvimento de alternativas para o uso destes;
6- no ensino; pesquisa; Medicina Veterinária Legal, prevenção de contaminação e poluição ambiental; atuação em desastres; segurança alimentar; apreciação e elaboração de projetos de lei; formulação de políticas públicas; atividades educativas junto à comunidade, entre outras.