Os especialistas se perguntam o que pode fazer a China com os seis mil tigres que mantém em cativeiro em condições deploráveis e incapazes de se readaptarem à vida selvagem no período de um ano, no Ano do Tigre, no qual os preservacionistas tentarão salvar da extinção o símbolo mais poderoso da Ásia.
A população de tigres em cativeiro da China é a maior do mundo, após superar em 2007 os Estados Unidos. Segundo a organização Traffic, rede mundial de vigilância sobre flora e fauna, nas terras americanas há outros cinco mil deles entre muros e cercas.
Para a organização ambiental WWF, a situação é um paradoxo, já que o felino se extinguirá em seu habitat em menos de três décadas se não forem tomadas medidas. No entanto, esses tigres domados são incapazes de aprender a caçar. Além disso, seu habitat e suas presas praticamente desapareceram.
“Se fosse necessário escolher entre a extinção da espécie e a sobrevivência de exemplares em cativeiro, acho que seria melhor a extinção em vez de sítios e zoológicos na China e em muitos outros lugares do mundo”, declarou Kati Loeffler, veterinária do Ifaw – Fundo Internacional para a Proteção dos Animais.
Loeffler é favorável a fechar os sítios. “Eles só servem para abastecer o mercado negro de partes de tigre e a qualidade de vida dos animais nesses lugares é desumana”, afirma.
Ela ressalta que as ONGs e o governo poderiam se ocupar dos tigres até que morram de forma natural e, no caso dos mais doentes, que os sacrifiquem.
O grande felino asiático agoniza em toda a região. Dos 3.200 remanescentes em terras da Índia, Rússia e China, só sobraram 50 no território chinês. Somente os tigres de Amur, no nordeste, com 20 espécimes, têm chances de sobreviver por sua proximidade com a reserva russa.
Há um século, existiam 100 mil tigres no mundo. Desde então, os extermínios em massa e a caça causaram a extinção das subespécies de Bali em 1937, da persa ou tigre Cáspio na década de 1960, e da de Java, vista pela última vez nos anos 70.
Foram justamente as tentativas de preservar a raça autóctone do sul da China, conhecida como tigre de Amoy ou de Xiamen, que evidenciaram no país asiático a impotência em devolver ao habitat natural esses grandes felinos.
O tigre de Xiamen é considerado extinto em seu habitat desde 1994, mas ainda restam 59 espécimes em cativeiro que a ONG Salvem os Tigres da China se propôs devolver à vida selvagem.
Para isso, a ONG enviou dois exemplares à África do Sul para serem readaptados à vida selvagem em uma reserva florestal.
A entidade espera reintroduzir neste ano os filhotes dos tigres nas províncias chinesas de Jiangxi e Hunan (leste do país). A organização afirma que esse plano é por celebridades como Jackie Chan, Michelle Yeoh, Madonna e Tiger Woods.
“Em nossa opinião, vai ser muito difícil ensinar os tigres a caçarem na natureza. Não conhecemos nenhum caso bem-sucedido”, explica Jiao Bei, porta-voz da Traffic na China.
Ou seja, uma vez em cativeiro, o tigre perde sua capacidade depredadora e, portanto, a de sobreviver. “Em liberdade, não sabe viver longe do homem, de quem se aproxima para receber comida e não sabe nem como matar uma vaca”, aponta Xie Yan, diretora para a China da ONG ambiental WCS.
Peste
Depois que Mao Tsé-tung ordenou o extermínio do tigre na década de 1960, por considerá-lo uma “peste”, nos últimos 15 anos, Pequim se propôs a recuperar a espécie mediante a criação de sítios estatais.
Da mesma forma que o urso panda, foram necessários anos para descobrir que o plano era um fracasso e que a forma de ajudar os tigres a sobreviver é recuperar seu habitat e acabar com a caça ilegal, dando alternativas de vida aos caçadores.
A magnitude industrial desses sítios evidencia seu papel de provedores do mercado negro de partes de tigre. Os contrabandistas preparam líquidos com ossos de tigre para 25 milhões de chineses com problemas ósseos, os quais têm a ilusão que assim serão curados. Mas a caça ilegal dos tigres não acabou nos três países.
Embora o comércio esteja proibido desde 1993, a atual situação revela a incapacidade chinesa em conter a caça. A maioria dos especialistas mencionados propõe o fechamento dos sítios estatais e a manutenção da proibição do comércio, enquanto outros acham que o fim dos sítios aumentará a caça ilegal.
“Essas fazendas são um problema muito grave porque mantêm o comércio ilegal. O problema é como fechá-las e o que fazer com os seis mil tigres. Não temos resposta”, afirma Xie.
O desaparecimento do tigre, um predador que ocupa a cúpula da pirâmide do ecossistema selvagem, evidencia a deterioração da fauna em nosso planeta, afirmam os especialistas.
Fonte: Folha de São Paulo (acessado em 09/02/10)