O Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) usou um teste molecular inédito para diagnosticar o primeiro caso da chamada febre Q.
Motivo de preocupação em países europeus como França e Holanda, onde vários surtos da zoonose foram registrados nos últimos anos, a doença ainda é pouco conhecida no continente americano.
Causada pela bactéria Coxiella burnettii, a febre Q é transmitida ao homem pela inalação de partículas contaminadas do ar ou pelo contato com o muco vaginal, leite, fezes, urina ou sêmen de gado, ovelhas, cabras e outros mamíferos domésticos, incluindo cães e gatos, quando infectados.
Infecção dormente
Além de diagnosticar o paciente, que não teve sequelas, os pesquisadores do IOC conseguiram identificar a origem e todo o ciclo de transmissão da doença, encerrando o caso de forma conclusiva.
A infecção por C. burnettii pode permanecer assintomática no organismo e ser reativada em casos de gravidez, hemodiálise, presença de valvulopatia, prótese valvar, aneurisma aórtico ou imunodeficiência, causando outras manifestações clínicas mais graves como a endocardite e a pneumonia.
O trabalho realizado pelo IOC confirmou o diagnóstico e comprovou a circulação da bactéria em uma pequena propriedade rural localizada na região metropolitana do Rio de Janeiro.
Febre que vem pelo ar
A pesquisadora e chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do IOC, Elba Lemos, ressalta que a falta de conhecimento e, consequentemente, a falta de diagnóstico, são alguns dos desafios encontrados.
“O desconhecimento acerca da febre Q é muito grande entre os médicos, especialmente no Brasil. Porém, é uma zoonose que está dispersa no mundo todo”, alerta a pesquisadora.
Segundo ela, a bactéria C. burnettii apresenta resistência muito grande, por isso há dificuldade em eliminá-la. “A bactéria é encontrada principalmente em produtos de abortos e partos de animais que, com o tempo, se transformam em partículas dispersas no ar que podem ser carreadas pelo vento em um raio de até dois quilômetros”, diz a especialista.
Análise molecular
A pesquisa teve como objetivo auxiliar a vigilância epidemiológica a combater uma doença frequentemente adquirida pela exposição a animais. “Além de confirmar o diagnóstico da febre Q por análise molecular, estamos realizando a análise sorológica e molecular de amostras biológicas de familiares contatantes do paciente, além de animais domésticos, cães e gatos, cabras e equinos existentes na propriedade”, explica a médica veterinária do IOC Maria Angélica Mares-Guia, que realizou o exame inédito.
No Brasil, a doença não é de notificação compulsória e não há preocupação com o diagnóstico. “Os resultados obtidos poderão contribuir no alerta para a vigilância pelo sistema de saúde local e, possivelmente, na instituição da febre Q como doença de notificação compulsória”, conclui Elba.
Segundo a pesquisadora, esse é o primeiro caso da doença confirmado por análise molecular no Brasil. Anteriormente, existiam apenas evidências sorológicas, ou seja, casos diagnosticados mediante a constatação da presença de anticorpos no sangue do paciente, indicando contato prévio com a bactéria.
No caso recente, constatado no Rio de Janeiro, o emprego de técnicas moleculares permitiu detectar a presença da própria bactéria na amostra, por meio da identificação do seu material genético.
Segundo Elba, a primeira descrição da febre Q no País foi em 1953, em São Paulo. Embora existam estudos soroepidemiológicos que evidenciem a circulação da C. burnettii no Brasil, apenas recentemente os casos têm sido identificados e todos, até o momento, foram confirmados com base no teste sorológico.
“Em um estudo recente, também desenvolvido pelo IOC, foram realizadas análises sorológicas em indivíduos HIV reativos e quatro pacientes do sexo feminino apresentaram anticorpos anti C. burnettii, indicando contato prévio dos pacientes com a bactéria”, diz ela.
Fonte: Diário da Saúde (acessado em 08/08/2011)