Tecnologia da seda de aranha desafia a ciência

Imagine uma fibra natural que é simultaneamente mais forte que o aço, mais flexível que o nylon, extremamente leve e, ainda por cima, biodegradável e biocompatível com o organismo humano. Há décadas os cientistas sabem onde encontrar esse material “mágico”: nos fios de seda das teias de aranha. Há décadas eles também tentam, com técnicas cada vez mais sofisticadas, reproduzir em laboratório o que esses insetos fazem há centenas de milhões de anos na natureza.

A seda de aranha é uma espécie de “santo graal” da ciência de materiais, com uma combinação única de características, cobiçada por pesquisadores de áreas tão distintas quanto biomedicina e engenharia espacial. “É um material totalmente diferente de qualquer coisa que o ser humano já produziu”, maravilha-se o cientista da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia Elibio Rech, que tenta mimetizar a substância no Brasil. “Nenhum outro material combina flexibilidade e resistência dessa forma.”

As fibras usadas pelas aranhas para tecer suas teias são essencialmente fios de seda, semelhantes aos produzidos pelo bicho-da-seda para fabricar seus casulos (matéria-prima para produção de tecidos finos na indústria têxtil), porém com aplicações que vão muito além de vestidos e camisolas. Fala-se em suturas médicas, implantes, curativos, coletes à prova de balas, linhas de pesca biodegradáveis e peças de naves espaciais superleves e resistentes.

Obter amostras para pesquisa é fácil. Aranhas não faltam e a seda pode ser extraída sem maiores dificuldades. O problema é que elas são animais extremamente territoriais, o que impede que sejam “cultivadas” em colônias para produção em grande escala, como se faz facilmente com as lagartas do bicho-da-seda.

A solução foi apelar para a engenharia genética, terceirizando o serviço de produção da seda para outras espécies mais “domesticáveis”. Em um dos estudos mais recentes, publicado no início do ano na revista PNAS, pesquisadores americanos e chineses relatam a produção de bichos-da-seda transgênicos, com genes de aranha, capazes de produzir sedas com propriedades semelhantes às dos aracnídeos.

Não é a primeira vez que se coloca genes de aranhas em bichos-da-seda, mas é a primeira vez que as proteínas codificadas por esses genes são efetivamente incorporadas à estrutura molecular da seda, segundo o autor Donald Jarvis, do Departamento de Biologia Molecular da Universidade de Wyoming.

O resultado foi uma fibra híbrida, formada pelas proteínas naturais de seda da lagarta, misturadas a uma “pitada” de proteínas de origem aracnídea. A taxa de incorporação das proteínas transgênicas foi baixa – não mais que 5% -, mas suficiente para alterar as propriedades das fibras de forma significativa, segundo Jarvis. Nos melhores casos, a resistência da seda híbrida chegou a ser quatro vezes maior que a da seda natural de aranha. A elasticidade, por outro lado, deixou a desejar.

“Ainda não temos todas as propriedades que gostaríamos, mas os resultados são surpreendentes”, disse Jarvis à reportagem. O desafio maior, segundo ele, é tentar “nocautear” (desligar, retirar ou silenciar) os genes nativos que controlam a produção de seda dentro do bicho-da-seda e substituí-los integralmente pelos genes de aranhas, de modo que a seda produzida pela lagarta seja 100% de origem aracnídea. Como se uma vaca fosse geneticamente modificada para produzir leite de cabra. “Tecnicamente, é possível”, diz Jarvis.

Matéria-prima

Na linguagem técnica, a seda é um “biopolímero”, ou seja, uma sequência repetitiva de unidades moleculares interconectadas, formando uma estrutura estável. As unidades básicas, nesse caso, são proteínas, e as instruções para fabricar essas proteínas estão codificadas em genes específicos das aranhas, que podem ser clonados e inseridos no DNA de outras espécies. como um software aplicativo que pode ser rodado em computadores de diferentes marcas.

O bicho-da-seda parece ser a “biofábrica” ideal para isso, pois tem a vantagem de já tecer a seda por conta própria. Outra rota de pesquisa, porém, consiste em produzir as proteínas de aranha dentro de bactérias ou no leite de cabras transgênicas, para depois purificá-las e sintetizar a fibra mecanicamente no laboratório, mimetizando o que ocorre no organismo da aranha.

É o que faz o pesquisador Randy Lewis, parceiro de Jarvis na Universidade de Wyoming e colaborador de Rech, na Embrapa. Há dez anos, ele trabalha com cabras transgênicas que produzem proteínas da seda de aranha no leite, além de colaborar com o projeto do bicho-da-seda. “Conseguimos tecer fibras que são dois terços tão boas quanto as fibras naturais de aranha”, sintetiza Lewis.

Mas fazer isso sistematicamente, em escala comercial, é um desafio que ainda está longe de ser conquistado. Apesar de vários resultados promissores produzidos nos últimos anos, ninguém conseguiu colocar no mercado um produto minimamente equivalente ao das aranhas.

Embrapa estuda aranhas nacionais

Há sete anos o biólogo molecular Elibio Rech, da Embrapa, estuda o DNA de aranhas brasileiras, procurando genes associados à síntese da seda. Já encontrou vários e espera, em um futuro não muito distante, produzir um polímero com características equivalentes às da fibra natural dos aracnídeos.

“As possibilidades de aplicação tecnológica são enormes. O limite é a nossa imaginação”, diz Rech, que vê o projeto como uma forma de agregar valor à biodiversidade brasileira.

O primeiro passo foi sequenciar o genoma funcional de cinco espécies de aranhas brasileiras – três do Cerrado, uma da Amazônia e outra da Mata Atlântica -, com atenção especial para genes ativos nas glândulas produtoras de seda.

As aranhas tecedoras de teias orbiculares (aquelas “clássicas”, com uma espiral no centro) podem ter até sete glândulas de seda, cada uma dedicada a um tipo de fibra. “Diferentes partes da teia são construídas com diferentes tipos de seda”, explica o biólogo Danilo Guarda, especialista em aranhas.

Rech identificou vários genes de interesse e os usou como base para o desenvolvimento de bactérias transgênicas, capazes de sintetizar as proteínas da seda de aranha in vitro. Há planos também para sintetizar as proteínas em leite animal, sementes de soja e plantas de algodão. “Queremos testar várias plataformas de expressão para ver qual é a melhor”, afirma Rech.

Pesquisador critica uso de transgênicos

O uso de animais transgênicos para a síntese de proteínas de seda de aranha é um “exercício desnecessário de pirotecnia”, na opinião do pesquisador Fritz Vollrath, que coordena um laboratório especializado em sedas no Departamento de Zoologia da Universidade de Oxford. Segundo ele, é possível obter sedas com propriedades equivalentes às das aranhas apenas manipulando as fibras de espécies selvagens de bichos-da-seda. “A qualidade do material depende mais da maneira como é tecido que das suas propriedades químicas”, diz. “Deveríamos focar nas condições de tecelagem e deixar a engenharia genética de lado.” Fritz estuda intensamente as aranhas e suas teias, mas só como um modelo de pesquisa básica. “São máquinas de produzir seda altamente evoluídas e supersofisticadas”, diz.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul (acessado em 23/01/2012)

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