Zoológicos e reservas de conservação assumem papel primordial na conservação da vida silvestre

Somente estes locais estão aptos para produzir populações de animais capazes de sobreviver, a partir de poucos exemplares de uma espécie

A fauna mundial sofre há muito tempo com constantes agressões, como a caça predatória, poluição descontrolada, aquecimento global, diminuição dos habitats e dos ecossistemas naturais. Todas essas ações, causadas pelo homem, afetam o equilíbrio ambiental e contribuem para a perda da biodiversidade de animais e plantas.

O relatório The Living Planet Report 2016 (Planeta Vivo, em tradução livre), divulgado a cada dois anos pela Zoological Society of London (ZSL) e pela organização ambiental WWF, informa que a população de animais selvagens caiu 58% desde 1970. Os números mostram que as espécies que vivem em lagos, rios e pântanos foram as que mais sofreram reduções e que, se nada for feito, até 2020 a população de vertebrados estará reduzida a dois terços da atual.

Diante dessa realidade, os zoológicos são indispensáveis para salvar a diversidade biológica. Somente eles estão aptos para produzir populações de animais capazes de sobreviver, a partir de poucos exemplares de uma espécie. Historicamente, a origem dos zoológicos está ligada a monarcas que colecionavam animais selvagens e exóticos para realçar seus poderes sobre líderes. Mais tarde, o local passou a ser visto como espaço para entretenimento e lazer. Felizmente, a pelo menos, três décadas, a ideia de que os zoológicos seriam apenas um ambiente para observar animais confinados foi superada.

Essa mudança de paradigma se deve ao fato de que os zoológicos e as reservas de conservação ampliaram as suas áreas de conhecimento e responsabilidade e estabeleceramos cinco pilares básicos que norteiam as suas ações: 1) conservação da biodiversidade; 2)bem-estar animal; 3) educação para a conservação; 4) pesquisa; 5) conexão com a natureza por meio da contemplação. Soma-se ainda, a formação e qualificação de profissionais da área por meio de cursos e programas de aprimoramento e mestrado profissional.

“Os zoológicos têm evoluído e abrigam animais selvagens, sob o cuidado humano, com o objetivo de conservação e educação, atraindo um público que deseja conhecer a fauna brasileira e se aproximar da natureza, zelando pela democracia de recreação aliada ao conhecimento”, explica a médica-veterinária responsável pelo Zoológico de Guarulhos e membro da Comissão de Animais Selvagens do CRMV-SP, Cláudia Almeida Igayara de Souza.

Cerca de 20 milhões de pessoas visitam zoológicos no Brasil durante todo o ano. Os experts no assunto referem que especialistas, não há outro local de visitação que possa atingir este volume de indivíduos em uma só visitação, e que transmita conhecimento e proponha mudanças no comportamento. “Este espaço contemplativo sensibiliza as pessoas e é capaz de formar cidadãos mais conscientes, capazes de cobrar de nossos governantes políticas públicas que visem proteção e a conservação da biodiversidade e que consequentemente, zelem pela nossa própria sobrevivência”, enfatiza a presidente da Associação Paulista de Zoológicos e Aquários, Mara Marques.

Os zoológicos recebem, tratam e reabilitam inúmeras espécies de silvestres feridos em decorrência das atividades humanas, como atropelamento, queimadas, ataques por animais domésticos, entre outras situações. Alguns críticos afirmam que manter animais em cativeiros é crueldade, e creem que todas as espécies deveriam ser reintroduzidas à natureza. Médicos-veterinários explicam que algumas espécies estão geneticamente programadas para sobreviverem sozinhas, como os répteis e anfíbios. Porém, quando se trata de aves e mamíferos, para que a reintrodução aconteça com sucesso, é preciso treinar esses animais para fugir de predadores e ensiná-los a procurar alimentos novamente na natureza. Este trabalho é realizado previamente em cativeiro.

Mestre em Ciências Biológicas e Zoologia e chefe da Divisão de Educação e Difusão da
Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP), Kátia Gisele de Oliveira Rancura, explica que antes de receber um novo animal, a equipe da Fundação se reúne e realiza uma ampla discussão para averiguar se o local possui infraestrutura adequada para abrigar determinada espécie. “Avaliamos se há disponibilidade dos recursos necessários para manter e realizar o manejo adequado do animal. Ponderamos também sobre como contribuiremos com a conservação da espécie e de que forma ela poderá ser utilizada para o desenvolvimento de trabalhos educativos junto ao público”, afirma.

Os recintos dos zoológicos aonde os animais são alojados são planejados de acordo com as normativas governamentais, em um ambiente que garanta o seu bem-estar e que inclua os elementos que representem o seu habitat natural e amplie as experiências educativas para o público visitante.

O manejo dos quase três mil animais do Zoológico de São Paulo, o maior da América Latina, é realizado por uma equipe de médicos-veterinários, biólogos, enfermeiros, auxiliares de biologia, tratadores e auxiliares operacionais, distribuídos em suas diferentes funções que englobam o cuidado com os filhotes, o pareamento, a adequação de recintos, a identificação, o controle populacional, o desenvolvimento de programas de reprodução ea limpeza de recintos, entre outras atividades.

Atualmente, a equipe da Divisão de Veterinária da FPZSP conta com quatro médicos-veterinários contratados e apresenta quatro vagas (duas de nível I e duas de nível II) para profissionais no Programa de Aprimoramento Profissional, um tipo de residência com duração de até dois anos para recém-formados que queiram se aperfeiçoar por meio do desenvolvimento de atividades práticas no Zoológico. “A Fundação conta também com um médico-veterinário à frente do Núcleo de Atividades In Situ, criada em 2015 com o objetivo de intensificar a atuação da fauna silvestre em vida livre de forma multidisciplinar, integrando conhecimentos desenvolvidos ex situ e in situ em favor dessas ações”, explica Kátia.

Além de zelar pela conservação e cuidados de várias espécies ameaçadas, os zoológicos também atuam com pesquisas e promovem cursos em parceria com universidades públicas e privadas, e instituições de conservação como parte de sua missão legal. Recentemente, o Zoológico de Guarulhos participou de projetos de iniciação científica envolvendo pesquisa de patógenos intestinais em psitacídeos e primatas, em parceria com o Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP).

“Contribuímos com um projeto de doutorado referente a eficácia de métodos contraceptivos em capivaras, em parceria com o Departamento de Reprodução da FMVZ-USP; de uma pesquisa de pós-doutorado com genética de Callithrix aurita e híbridos, com a Universidade Federal de Viçosa; e projetos de doutorado com sanidade, reprodução e genética de Callithrix aurita com a Universidade Federal Fluminense e Universidade Estadual do Rio de Janeiro”, conta Cláudia Igayara.

O Zoológico de São Paulo possui convênios para a realização de estágios curriculares obrigatórios com diversas instituições de ensino. Atualmente, desenvolve projetos em parceria com universidades e institutos de forma efetiva em programas de conservação in situ e ex situ. Um exemplo é o programa de conservação da scinax ????é isso mesmo?? alcatraz, desenvolvido pelo Setor de Répteis da Fundação e conhecido internacionalmente. “Como variante desses projetos, existem parcerias voltadas para pesquisas com microrganismos clínicos e ambientais com potencial biotecnológico, genética, patologia clínica e reprodução assistida. Neste último caso, o Zoo de São Paulo é pioneiro no armazenamento de sêmen das variadas espécies, ação essa que futuramente poderá auxiliar na reprodução de dezenas de animais ameaçados ou em vias de situação crítica”, afirma a chefe do Departamento de Pesquisas Aplicadas da FPZSP, Patrícia Locosque Ramos.

Atualmente, no Estado de São Paulo existem cerca de 60 zoológicos e aquários registrados e fiscalizados pela Secretaria do Meio Ambiente. Grande parte dos empreendimentos são públicos e dependem de recursos repassados pelas prefeituras. “Muitos deles não cobram ingresso ou quando o fazem, o valor é simbólico. Essa restrição é hoje um dos maiores problemas enfrentados pelos zoos e aquários. Sem estes recursos a qualidade na manutenção dos ambientes e no manejo dos animais fica comprometida, e não permite que sejam cumpridas todas as suas atividades e, consequentemente, a sua missão”, alerta Mara, da Associação Paulista de Zoológicos e Aquários.

Ciência e parcerias de sucesso

Muitas espécies de animais hoje em vida livre passaram por zoológicos. O mico-leão-dourado, o diabo-da-tasmânia e o panda são exemplos de animais que já estiveram em perigo de extinção, foram levados para zoológicos, conseguiram se reproduzir e voltaram à vida livre. O rinoceronte-branco, chimpanzés e lobos já estariam extintos se não estivessem em cativeiro.

As pesquisas desenvolvidas nestes espaços são procedimentos imprescindíveis para a preservação da vida silvestre. Por meio delas, é possível criar mecanismos para a manutenção e recuperação da saúde dos animais. Jean Carlos Ramos Silva, mestre e doutor em Medicina Veterinária na área de concentração de Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses pelo Departamento de Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal da USP, dedicou grande parte de sua carreira profissional a estudos em âmbito da preservação animal e ambiental.

O primeiro trabalho de Ramos Silva foi com animais silvestres de vida livre no Parque Estadual da Serra do Itapety, em Mogi das Cruzes, São Paulo. Ao ingressar no mestrado, desenvolveu pesquisas com infecção por Toxoplasma gondii em felinos silvestres mantidos em cativeiro no Estado de São Paulo. Durante o doutorado, a pesquisa nesta mesma temática foi ampliada e estendida por todo o território nacional. “Tivemos a felicidade de viajar para todas as cidades do Brasil que possuíam as oito espécies de felídeos silvestres. Examinamos clinicamente e colhemos amostras biológicas de 865 animais de 20 estados brasileiros, em 86 instituições, como zoológicos, criadouros e quartéis”, explicou o médico-veterinário.

Na época, o trabalho de conservação foi coordenado pela Associação Mata Ciliar, em Jundiaí, São Paulo, por meio do Plano de Manejo dos Felinos Silvestres em Cativeiro e realizado em conjunto com a Sociedade de Zoológicos do Brasil (SZB) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA).

Atualmente, Jean é docente da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) e desenvolve estudos nas áreas de conservação e saúde na Mata Atlântica, Caatinga e no Arquipélago de Fernando de Noronha. Neste último, iniciou projetos de pesquisa com a avaliação do impacto das espécies invasoras na saúde pública e na biodiversidade, realizado por meio de uma parceria da Universidade com o Instituto Brasileiro para Medicina da Conservação. “Colaboramos com diversas instituições e universidades do País com estudos envolvendo répteis, aves silvestres, peixes-boi, botos-vermelhos, tamanduás, carnívoros, morcegos, primatas e demais espécies da nossa rica biodiversidade”, afirma.

Segundo Jean, este sucesso na cura e recuperação de animais selvagens causa sensação de bem-estar e alegria para os médicos-veterinários que atuam com animais selvagens. “Por meio da educação ambiental e educação em saúde, a comunidade é envolvida nessas ações e os indivíduos passam a ser protagonistas e participantes do processo de conservação da vida silvestre. Estes passos podem parecer lentos, mas estão sendo dados e trarão muitos benefícios”, acredita.

A educação ambiental como aliada

A educação ambiental é um dos mais importantes recursos disponíveis para a construção de uma sociedade mais justa e ambientalmente sustentável. Apesar dos diversos desafios que ainda enfrenta, ela se destaca como uma aliada indispensável em projetos de conservação, uma vez que contribui com a reflexão e a transformação de atitudes relacionadas às questões ambientais.

Acreditando neste potencial, o Zoológico de São Paulo possui há 17 anos, o Programa de Educação Ambiental (PEA) e diversas atividades educativas desenvolvidas com foco na formação de professores, na desmistificação de espécies estigmatizadas pela população e no empréstimo de kits didáticos. “Oferecemos visitas monitoradas para escolas e universidades, passeios noturnos, ações de inclusão social, apresentações de peças teatrais, produção de materiais informativos, entre outras ações. Mais recentemente, criamos o Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental em Zoológicos (GEPEAZ), que envolve a equipe de educadores da Divisão de Educação do Zoo, com mestrandos e aprimorandos, que discutem e geram conhecimentos que possam ser compartilhados com outros educadores em espaços não formais”, esclarece a chefe do Setor Técnico do Núcleo de Desenvolvimento de Produtos e Atividades Especiais – Divisão de Educação e Difusão da FPZSP, Camila Martins.

A visita a um zoológico é, provavelmente, a única oportunidade que a maior parte da população tem para conhecer de perto algumas espécies emblemáticas da fauna brasileira, como a onça-pintada, o lobo-guará e o tamanduá-bandeira. “É impossível que alguém se preocupe com a extinção de algum desses animais se os conhecer. A ideia é que a visita aos zoos aproxime as pessoas dos animais, crie empatia e mostre que esses seres têm direito à vida e para isso, é preciso mudar a forma de agir com a natureza”, acredita Cláudia Igayara.

A Igayara destaca que a consciência da população em relação aos direitos dos animais tem aumentado bastante, mas o mesmo não ocorre com o meio ambiente. Para proteger a fauna, é necessário, primeiro, zelar pelo local em que o animal vive. Com o objetivo de mostrar aos visitantes a integralidade entre a saúde animal e ambiental, e consequentemente, a humana, o Zoológico de Guarulhos realiza diversas atividades monitoradas e conscientização sobre atropelamentos de animais. “A partir deste ano, trabalharemos em parceria com a Secretaria da Educação e as atividades e aulas realizadas no Zoológico farão parte do calendário oficial das escolas municipais”, comemora Cláudia.

Desafios de um mercado escasso

Como todo zoológico pequeno e municipal, o Parque das Hortênsias sempre esteve à margem das prioridades das gestões que se sucederam em Taboão da Serra, zona sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo. A falta de investimentos, de oportunidades de capacitação dos funcionários, de atendimento às finalidades de um zoo e de inserção deste espaço no processo educativo das crianças e jovens do município, sempre foram os grandes problemas enfrentados pela equipe técnica que atuava no local.

“Além das atividades primárias relacionadas ao manejo sanitário, reprodutivo, alimentar e clínico das espécies que eram mantidas no espaço, tínhamos que resolver questões mais amplas de cunho político-administrativo devido ao desinteresse dos gestores que viam o Parque como uma ‘pedra no sapato’ da administração pública municipal”, disse o médico-veterinário, mestre em Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Animal e responsável pelo Setor de Animais Silvestres dos Hospitais Veterinários da Universidade de Santo Amaro (Unisa), Metodista e Anhembi-Morumbi, Celso Martins Pinto.

Durante os 34 anos de existência do Parque, muito pouco foi feito em prol do desenvolvimento do zoológico. Com o passar dos anos, o local deixou de ser um zoo para se tornar um precário espaço de diversão pública. A postura desinteressada culminou com a destinação dos animais a outras instituições e ao fechamento do local. “Essa decisão é retrógrada e vai na contramão dos interesses públicos na preservação das espécies e na educação ambiental, que deveria fazer parte da grade curricular das crianças e adolescentes”, acredita.

A precariedade do Parque das Hortênsias é apenas um reflexo do que acontece em muitos zoológicos pelo Brasil afora. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (IBAMA) já lacrou espaços nas cidades de Limeira, Campinas e Piracicaba. O maior problema continua sendo o financeiro. Apesar dos desafios, o Brasil avança na proteção da fauna silvestre. “Mesmo que de forma lenta, há melhoras significativas em projetos isolados, como o Projeto Tamar, Projeto Tamanduá, Projeto dos Grandes Primatas (GAP), SOS Fauna, entre outros. Essas instituições servem como referência internacional na área de proteção”, relata o professor.

Além da fragilidade diante da gestão pública, há outro agravante para a situação dos zoológicos no País: o desinteresse por parte dos profissionais médicos-veterinários. Martins Pinto destaca que , o número de estudantes de Medicina Veterinária que se interessam pela área de animais silvestres é pequeno. Em contrapartida, aqueles que despertam o gosto, principalmente quando iniciam os estágios, passam a buscar cada vez mais oportunidades e aprimoramento. “As universidades brasileiras deveriam ser mais incidentes sobre essas questões e buscar mecanismos para inserir os estudantes nestes ambientes”, acredita.

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