CRMV-SP orienta conduta a ser adotada quanto a petiscos contaminados

Sobe para 14 o número de cães mortos com indícios de intoxicação após ingerir produtos. Saiba como identificar e agir em casos suspeitos ou óbito
Texto: Comunicação CRMV-SP / Foto: `Pixabay

Visando orientar tutores e médicos-veterinários, profissionais da Coordenadoria Técnica Médica-veterinária e das Comissões Técnicas do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), detalham a conduta a ser adotada em casos suspeitos de intoxicação após ingestão de petiscos supostamente contaminados pela substância Etilenoglicol.

De acordo com a assessora técnica médica-veterinária do CRMV-SP, Anne Pierre Helzel, trata-se de um composto químico comumente utilizado como anticongelante, presente em produtos automotivos e em refrigeradores, e em sua forma pura costuma atrair animais por conta de seu sabor doce.

“O Etilenoglicol provoca uma intoxicação aguda, pois o corpo, humano ou animal, não consegue lidar de forma adequada com a substância, por isso ela é absorvida e, durante a tentativa de metabolização, há a produção de danos que podem ser permanentes. É importante que os tutores, portanto, fiquem atentos aos sintomas e procurem orientação médica-veterinária com urgência”, explica Anne, destacando que a evolução da intoxicação passa por três fases.

Integrante da Comissão Técnica de Pesquisa Clínica do CRMV-SP e especializada em Patologia e Toxicologia Animal, a médica-veterinária Silvana Gorniak detalha que a primeira fase da intoxicação ocorre entre uma e três horas após a ingestão do produto contaminado e é caracterizada por sintomas de “embriaguez”, em que o animal apresenta um andar cambaleante.

Silvana afirma que passada esta fase, a partir de cerca de quatro horas após a ingestão, o animal apresentará um quadro de depressão. “Ele ficará amuado, com dificuldade de caminhar, deprimido e, por vezes, agressivo. Esta fase afeta o sistema nervoso central, tendo como sintomas também a queda da temperatura corporal e taquipenia – respiração rápida e rasa, ofegante. Nas duas primeiras fases é comum o animal ingerir bastante água.”

Óbito pode ocorrer em menos de 72 horas

Conforme relatam as médicas-veterinárias, o quadro poderá evoluir para insuficiência renal, contribuindo para agravamento da intoxicação do organismo de forma rápida. Em menos de 72 horas, o animal poderá vir a óbito. 

Silvana Gorniak explica que neste estágio o animal fica letárgico e apresenta náuseas, vômitos, uremia – ausência de urina –, e convulsões. Estes sintomas são comuns a partir do segundo dia após a ingestão da substância.

“O Etilenoglicol será metabolizado no fígado por uma enzima chamada Álcool Desidrogenase. O produto final desse processo do organismo será o Oxalato de cálcio. Esta substância promove a intoxicação nos túbulos dos rins, que é o que causa a falência renal e a morte do animal”, diz a médica-veterinária da Comissão Técnica de Pesquisa Clínica do CRMV-SP.

Conduta clínica

Buscar auxílio de um médico-veterinário assim que o tutor identificar ou suspeitar de intoxicação pelos petiscos contaminados será de suma importância para tentar reverter o quadro e evitar o óbito do animal. Aos profissionais é indicado incluir na anamnese, o questionamento a respeito do contato com a sustância ou a ingestão dos produtos Every Day sabor fígado (lote 3554) e Dental Care (lote 3467) da marca Bassar Foods.

Silvana Gorniak afirma que o médico-veterinário poderá utilizar medicamentos eméticos ou orientar o tutor a provocar vômito no animal quando da suspeita de ingestão de produto indevido, caso ainda não sejam apresentados sintomas.

Em até uma hora a partir da ingestão do produto, Anne Pierre Helzel orienta que o profissional realize também uma lavagem gástrica no animal. “Após esse tempo será importante que o profissional auxilie o organismo do animal a diminuir a taxa de metabolização do Etilenoglicol, ampliando o tempo de processamento da substância, na tentativa de reduzir os efeitos deletérios.”

Tratamento

Para promover o efeito ponderado pela assessora técnica médica-veterinária do CRMV-SP, Silvana Gorniak explica que é preciso “ocupar” a enzima com outra substância, de forma que o Etilenoglicol não seja metabolizado tão rapidamente e se forme Oxalato de cálcio em demasia no organismo do animal.

“O procedimento padrão, portanto, é administrar etanol médico a 20% por via intravenosa a cada quatro horas, até cinco vezes consecutivas, em dose de 5,5 ml por quilograma. Além disso, é importante tratar a acidose, corrigindo com bicarbonato. E utilizar corticosteroides, pois muitas vezes o animal apresentará edema pulmonar”, orienta a profissional.

Caso o quadro chegue até ao terceiro estágio de evolução da intoxicação, com o colapso renal do animal, é possível tentar, ainda, a realização de hemodiálise peritonial, finaliza Silvana.

Importância da necropsia

Nas situações em que o quadro do animal evoluir para óbito, a perícia médica-veterinária será de extrema importância como prova para confirmar a causa da morte e o delito. Nesses casos a necropsia identificará as lesões características provocadas no organismo pela ingestão de determinada substância presente nos produtos em quantidade elevada e tóxica aos animais. Somente com a realização do procedimento será possível a abertura de processo cível ou penal.

A presidente da Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP, Mara Rita Rodrigues Massad, afirma que a conclusão da causa da morte será baseada tanto na perícia do corpo do animal, quanto do produto e das evidências e relatos dos tutores.

“Em processos cíveis, a procedimento deverá ser realizado por um serviço de necropsia documentada. Isso significa que o procedimento será todo fotografado, as lesões identificadas serão descritas detalhadamente, será realizado exame histopatológico e emitido laudo. Caso não haja serviço de necropsia documentada na cidade em que atua, o profissional médico-veterinário poderá realizar a necropsia e enviar a coleta do material para análise de um laboratório de Patologia”, pondera Mara.

Processo criminal

Entretanto, para abertura de processo criminal, a presidente da Comissão Técnica de Medicina Veterinária Legal do CRMV-SP ressalta que é importante que o tutor seja orientado a realizar o registro de boletim de ocorrência e a aguardar que um perito vá até o local do óbito do animal ou que haja orientação para encaminhar o corpo para necropsia em um serviço oficial. 

“Importante que os médicos-veterinários mantenham a guarda apropriada do corpo do animal até que o tutor reflita sobre qual procedimento deseja tomar, e que documentem em termo assinado pelo responsável a cada decisão, seja pelo descarte e incineração, ou pela retirada do corpo para encaminhamento para necropsia em outro local”, orienta Mara Rita.

Os últimos três casos de animais vítimas de intoxicação pelos petiscos na Grande São Paulo estão sendo encaminhados pela Polícia Civil para necropsia forense do Departamento de Patologia da Universidade de São Paulo (USP).  O médico-veterinário patologista, Paulo Maiorka, chefe do departamento, afirma que tem trabalhado em cooperação com o grupo de médicos-veterinários peritos criminais da Polícia Científica de São Paulo.

O primeiro caso reportado é de São Caetano e trata-se de um cão jovem da raça Zwergspitz, conhecida como Lulu da Pomerania. “O corpo do animal estava congelado e foi trazido para a USP na sexta-feira. Após o descongelamento a necropsia foi realizada dentro dos parâmetros de normalidade, com a identificação de lesões renais e pulmonares importantes. Foram colhidos materiais para análise toxicológica do Instituto de Criminalista de São Paulo. Em um período entre 10 e 15 dias sairá o resultado macroscópico e em 30 dias, o laudo da polícia científica”, afirma Maiorka.

Sobre o caso

O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) investiga 14 casos de óbitos de cães de pequeno porte com indícios de intoxicação pela presença de Etilenoglicol em petiscos produzidos pela empresa Bassar Foods por Etilenoglicol, conforme laudo preliminar da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

No âmbito do Mapa, as investigações quanto a origem da contaminação estão sendo concentradas no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), subordinado à Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA). Até o momento há registro de casos nos estados de Minas Gerais, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. Na Grande São Paulo, já são seis óbitos em análise.  É aventada a possibilidade de contaminação de matérias primas utilizadas na produção dos petiscos.

De acordo com o Ministério, todos os produtos em estoque na fábrica foram apreendidos como medida preventiva. A empresa paralisou a produção e já notificou os estabelecimentos comerciais que adquiriram os petiscos para que recolham os itens e suspendam a venda. Fiscais federais agropecuários também atuam para que itens identificados ainda à venda em petshops e casas de ração sejam retirados de comercialização. Aos tutores, a recomendação é suspender o uso de qualquer lote e devolver o produto no local em que foi adquirido. Como a fabricante dos produtos é registrada junto ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) desde 2020, foram solicitadas informações ao Ministério sobre as investigações realizadas até o momento e o responsável técnico pela empresa será convocado a prestar esclarecimentos iniciais ao Regional para que sejam tomadas as medidas administrativas que forem cabíveis.

Relacionadas

No púlpito, o novo presidente da entidade fala ao microfone durante cerimônia de sua posse
Posse_administrativa_gestao_2024_2027 (82)
A imagem mostra o Guia Prático de Maus-tratos a Cães e Gatos em um celular.
Participantes, homens e mulheres do evento, posam para a foto, lado a lado, no palco do auditório.

Mais Lidas

Diagnóstico por imagem é uma das especialidades reconhecidas pelo CFMV
Crédito: Acervo CRMV-SP
Notebook com a tela inicial da Solução Integrada de Gestão do CRMV-SP (SIG CRMV-SP)
Responsável técnico é a figura central que responde ética, legal e tecnicamente pelos atos profissionais da empresa
Crédito: Freepik
Em São Paulo, a primeira instituição destinada ao ensino da Veterinária teve origem no Instituto de Veterinária, nas dependências do Instituto Butantan, no ano de 1919 Crédito da foto: Acervo Histórico/FMVZ-USP

Contato

(11) 5908 4799

Sede CRMV-SP 

Endereço: Rua Apeninos, 1.088 – Paraíso – CEP: 04104-021
Cidade: São Paulo

Newsletter

Todos os direitos reservados ao Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo – CNPJ: 50.052.885/0001-40