Durante o mês de outubro, o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) chama a atenção dos responsáveis por cães e gatos para a importância da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de mama em fêmeas. A iniciativa integra a campanha Outubro Rosa Pet, que destaca como a castração precoce, os cuidados contínuos e os avanços em diagnóstico e tratamento podem salvar vidas.
“Assim como nos humanos, a atenção dos responsáveis e a busca pela medicina preventiva são decisivas para o sucesso do tratamento”, afirma a médica-veterinária Sibele Konno, presidente da Comissão Técnica de Animais de Companhia do CRMV-SP.
Entre os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença estão a idade, a predisposição genética, o uso de hormônios contraceptivos e, sobretudo, o status reprodutivo das fêmeas. De acordo com estudos, a castração precoce é a medida mais eficaz de prevenção, pois reduz de forma significativa as chances de surgimento dos tumores.
“Castrar antes do primeiro, segundo ou terceiro cio pode diminuir drasticamente o risco, já que a exposição aos hormônios sexuais está diretamente relacionada ao aparecimento das neoplasias mamárias”, explica Sibele. Hormônios como estradiol e progesterona desempenham papel decisivo em diferentes fases da formação dos tumores, o que torna a prevenção ainda mais relevante.
O médico-veterinário Rodrigo Ubukata, especialista em Oncologia, explica que ainda não há dados estatísticos nacionais sobre o câncer de mama em animais, uma vez que o Brasil não possui um programa de registro de casos, apenas estudos regionais. Segundo ele, pesquisas internacionais apontam que cerca de 50% dos tumores em cadelas são malignos, enquanto em gatas esse índice pode chegar a 80%.
“Embora sejam mais frequentes em fêmeas, não se deve descartar a ocorrência em machos”, alerta o especialista.
Ubukata destaca, ainda, que, embora a castração precoce continue sendo uma medida importante de prevenção, novos estudos vêm discutindo a idade ideal e o grau dessa proteção. “O câncer é uma doença multifatorial. Além da influência hormonal, fatores genéticos, moleculares e ambientais, como a obesidade, também exercem papel determinante”, explica. Ele acrescenta que a obesidade eleva o risco não apenas de tumores mamários, mas também de doenças ortopédicas, endócrinas e hepáticas.
Dados epidemiológicos
Um estudo realizado por pesquisadores de universidades do Brasil, Inglaterra e Canadá, publicado na revista Veterinary Sciences (Canine, Feline, and Murine Mammary Tumors as a Model for Translational Research in Breast Cancer), aponta que os tumores mamários são as neoplasias mais comuns em cadelas e a terceira mais frequente em gatas, configurando um desafio significativo para a Medicina Veterinária.
Segundo os autores, essas neoplasias em cães e gatos apresentam semelhanças epidemiológicas, clínicas, biológicas e genéticas com o câncer de mama em mulheres, o que as torna modelos importantes em pesquisas comparativas. A incidência de tumores mamários espontâneos em cadelas, por exemplo, é de duas a três vezes maior do que a observada em mulheres.
Levantamentos recentes revelam a gravidade do cenário: entre 20.149 lesões avaliadas em cães e 857 em gatos, cerca de 85% das neoplasias mamárias eram malignas.
Além disso, alterações pré-neoplásicas, como hiperplasia epitelial e modificações em células colunares, foram identificadas em cadelas, refletindo estágios iniciais de transformação celular semelhantes aos observados em mulheres. Diversos tipos de tumor descritos em humanos já foram relatados em cães e gatos, como carcinoma micropapilar invasivo, carcinoma secretor e carcinoma lobular pleomórfico, apresentando comportamentos clínicos e prognósticos comparáveis.
Para os pesquisadores, esses dados reforçam a importância do diagnóstico precoce e do acompanhamento constante, sobretudo porque o câncer de mama em pets costuma evoluir de forma silenciosa e agressiva.
Diagnóstico
Os progressos em exames de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, somados aos testes genéticos, têm permitido diagnósticos cada vez mais precisos e tratamentos oncológicos mais assertivos na Medicina Veterinária.
“Com informações detalhadas sobre o tipo de tumor, conseguimos escolher a quimioterapia mais adequada, o que aumenta as chances de sucesso”, explica a médica-veterinária Sibele Konno, presidente da Comissão de Animais de Companhia.
O diagnóstico definitivo, no entanto, só pode ser confirmado por meio de biópsia aspirativa, incisional ou excisional, seguida de análise histopatológica. Exames complementares são fundamentais, incluindo radiografias torácicas (para investigar metástases pulmonares), ultrassonografia abdominal (para avaliar órgãos internos), além de hemograma completo, perfil bioquímico e provas de coagulação.
Avanços tecnológicos
Segundo Rodrigo Ubukata, a Medicina Veterinária brasileira tem se destacado internacionalmente nas pesquisas sobre tumores mamários. “O Brasil está entre os países com maior número de estudos realizados e publicados no mundo sobre o tema. Temos grupos de pesquisa atuantes de norte a sul do país, e esse trabalho poderia se expandir ainda mais com maiores investimentos em ciência e inovação”, observa.
O especialista ressalta que, recentemente, durante o principal Congresso de Oncologia Veterinária dos Estados Unidos, houve um painel dedicado às neoplasias mamárias com participação expressiva de pesquisadores brasileiros, entre eles o professor doutor Geovanni Dantas Cassali (UFMG), idealizador dos Consensos Brasileiros em Neoplasia Mamária de Cadelas e Gatas.
“Esses consensos são fundamentais, pois reúnem diretrizes atualizadas sobre diagnóstico, tratamento e prevenção, oferecendo referência científica e prática para profissionais de todo o País”, destaca Ubukata.
Protocolos de rastreamento e sinais de alerta
A coordenadora técnica médica-veterinária do CRMV-SP, Carla Maria Figueiredo de Carvalho, destaca que o sinal clínico mais comum do câncer de mama em cadelas e gatas é o aparecimento de um ou mais nódulos mamários, geralmente indolores. Outros indícios incluem crescimento da mama após o cio, secreção mamilar, dor, feridas e ulcerações em estágios avançados.
Sinais sistêmicos, como tosse, cansaço e perda de peso, podem indicar metástases em outros órgãos, enquanto alterações locais, como eritema, endurecimento ou erosão tumoral da cadeia mamária, podem apontar para metástases regionais. “O acometimento de linfonodos, invasão vascular e linfática são fatores prognósticos importantes”, ressalta Carla.
Ela lembra que o tumor de mama pode ter origem genética, hormonal, nutricional ou ambiental, sendo mais comum em fêmeas idosas e não castradas, ou castradas tardiamente. Por isso, a avaliação periódica das glândulas mamárias deve ser incorporada à rotina clínica veterinária, especialmente durante os check-ups anuais.
Ubukata reforça que o papel dos responsáveis é fundamental para a detecção precoce: “O autoexame é o ponto de partida. Qualquer aumento de volume, nódulo, inflamação, secreção ou dor deve ser avaliado por um médico-veterinário. Nunca se deve esperar para ver se vai crescer, pois quanto maior for o tumor, pior pode ser o tratamento e o prognóstico”, alerta. Ele lembra, ainda, que nem todo nódulo é maligno, mas todo tumor começa pequeno, por isso a observação contínua é essencial.
Conscientização e responsabilidade
Consultas regulares, especialmente a partir dos cinco anos de idade, devem fazer parte da rotina dos animais. O simples toque das mamas pode revelar alterações importantes, e a atenção do responsável do pet é decisiva para um diagnóstico precoce.
Campanhas como o Outubro Rosa têm papel fundamental em aproximar ciência, prevenção e responsabilidade no cuidado com os pets. “A informação transforma o olhar do tutor e mostra que, mesmo com os avanços da Medicina Veterinária, nada substitui a atenção de quem convive com o animal diariamente”, conclui Sibele Konno.
Ubukata destaca que a campanha se inspira diretamente no movimento humano, que já demonstrou grande impacto na detecção precoce e no aumento das taxas de cura. “O isolamento durante a pandemia evidenciou como a ausência dessas campanhas prejudica os índices de diagnóstico. O movimento pet ainda é menor, mas cresce a cada ano, impulsionado pelo trabalho da Associação Brasileira de Oncologia Veterinária (Abrovet), que apoia e divulga ações em todo o País”, explica.
Para o especialista, prevenir, diagnosticar e tratar o câncer de mama vai além da Medicina Veterinária, é uma questão de Saúde Única. “Tratar um animal é também cuidar de uma pessoa e de uma família inteira”, conclui.
Referências
Cassali, G. D., Nakagaki, K. Y. R., Salvi, M., dos Reys, M. P., Rocha, M. A. N., de Campos, C. B., Ferreira, E., Rodrigues, A. C. B., dos Reis, D. C., Damasceno, K. A., & Estrela-Lima, A. (2025). Canine, Feline, and Murine Mammary Tumors as a Model for Translational Research in Breast Cancer. Veterinary Sciences, 12(2), 189. https://doi.org/10.3390/vetsci12020189