Quando a universitária Silvana
Lima, 35, descobriu a gravidez, há oito meses, não sabia dos problemas que
teria com Preto, seu cachorro SRD (sem raça definida) de oito anos, que, até
então, era o único "filho" da casa. Prestes a ter o bebê, sofre com
o comportamento estranho do animal, que, por vezes, pula em sua barriga, uiva
quando escuta choro de criança, faz xixi pela casa inteira.
No início da gestação, o animal chegou a morder a dona. Para a veterinária Rubia Burnier, especialista em
comportamento animal, tal atitude revela o quão confuso o bicho está. "É
muito difícil para o cão sentir que está perdendo espaço quando ele é o
líder", diz. "Isso estimula uma mudança de comportamento que pode
ser perigosa."
Para o zootecnista Alexandre Rossi, a situação é
administrável. "Se o novo momento for tratado com naturalidade e o
cachorro, com respeito, tudo dará certo."
Com os gatos é diferente. Rubia diz que os felinos
são mais territoriais e menos dependentes. O que pode incomodá-los são o
choro da criança e a movimentação da casa com o nascimento. "O
comportamento dos gatos deve ser observado, diferente das atitudes dos cães,
que merecem atenção especial", compara.
Bem antes de engravidar, Silvana conheceu Preto em um episódio inusitado. Ao
estacionar o carro, não percebeu que um cão de rua havia entrado nele. Isso
já faz seis anos e, desde então, ela e o marido tratam o animal como uma
criança. "Não tínhamos filhos e estávamos atrás de um cachorro. Quando
Preto nos adotou, veio ser o reizinho do lar."
A maternidade trouxe, além de desafios para a família, remanejo de ambientes
na casa. Para a tristeza do cachorro, significou perda de espaço. Quando
Letícia nascer, dormirá no antigo escritório que, agora, se tornou quarto da
criança. Antes, era um dos lugares prediletos de Preto. "Ele só dormia
lá", lamenta Silvana.
O cão anda desnorteado com tantas mudanças. Com a troca de móveis de lugar,
por exemplo, perdeu seus referenciais. "O vejo perdido dentro de casa e
fico muito aflita", diz a dona. "Ele está sofrendo com a nova
situação e não sei direito como ajudar."
Rubia alerta para o perigo de tratar pets como
filhos: "A relação é diferente. Podemos amá-los, mas temos que
respeitá-los como animal". Segundo a especialista, é comum pessoas
colocarem bichos no lugar de filhos. Quando o herdeiro chega, o antigo dono
do pedaço entra em crise diante da natural diminuição da atenção antes dispensada
a eles. "Já atendi cachorros que perderam todo o pelo quando a
verdadeira criança da casa nasceu", diz a veterinária.
Rossi também constata que o excesso de mimos atrapalha."Para
o animal, é muito fácil ter ciúmes da criança, já que associará a ela a falta
de regalias." O veterinário acompanhou o caso de um cão que atacou um
bebê no rosto. A menina, de oito meses, passou por uma cirurgia plástica.
A solução para evitar casos como esse não é desistir do animal. Os
especialistas elencam medidas simples para preparar a família e o pet para o
novo momento. Uma delas é, antes de a criança chegar, simular um passeio pela
casa com carrinho de bebê, se possível, perfumado com o talco que a criança
for usar. Isso ajuda no reconhecimento.
Foi o que fez o administrador de empresas Jo Achim Liebert, 43, dono de
Frida, uma SRD de cinco anos que, durante três, foi a
princesinha do lar. Pai de Bruna, 3, e Júlia, 1, ele
preparou o terreno para a chegada das meninas. "Quando Bruna nasceu, a
primeira coisa que fiz foi levar a roupa dela para Frida cheirar."
Além disso, Liebert assumiu o papel de líder que
Frida via, até então, em sua mulher. Ao trocar de papéis, a cadela não se
ressentiu com o fato de sua dona não ter mais tempo para as antigas
atividades. Quando as meninas nasceram, já era ele quem a levava para passear
e dava comida.
A família Liebert também envolveu o animal em todos
os momentos. "Como era tudo muito normal para nós, Frida encarou a
mudança com tranquilidade. Ela não perdeu seus
espaços e continuamos a tratá-la como se nada tivesse mudado."
Um outra questão que se coloca é sanitária. Rubia diz que crianças que têm contato com animais
domésticos desde o nascimento estão mais protegidas contra alergias. Adquirem
anticorpos mais resistentes do que as que não têm cachorros.
Para Rossi, não existe hora certa para expor a criança ao animal, isso
depende do momento em que os pais estarão seguros para fazer a aproximação.
"Muitas crianças começam a amar o cachorro da família desde o primeiro
dia de vida."
Dicas para preparar seu animal
– Passear de carrinho pela casa, antes do nascimento do bebê, para que o
animal entenda a futura rotina.
– Simular banhos e amamentação para que o animal aprenda a respeitar, sem
crise, tais momentos entre a mãe e o bebê.
– Fazer com que o pet tenha bons momentos perto da criança da casa, dando
comida e fazendo brincadeiras não apenas quando o bebê estiver longe.
– Respeitar os espaços do animal, tentando não mudá-lo de ambiente, o que dá
segurança e ajuda a administrar o ciúme.
– Não deixar a criança, ainda engatinhando, chegar perto do animal quando ele
estiver comendo ou bebendo água.
– Envolver o pet e fazê-lo entender que ele faz parte da família, o que traz
segurança e tranquilidade.
– Vigiar sempre, pois o bicho, por mais dócil que seja,
não deve ficar sozinho com uma criança pequena.
Fonte:
Folha Online, acesso em 03/08/2009