Já conhecida no meio veterinário, as bacteriocinas têm sido utilizadas para aumentar a vida útil e garantir segurança dos alimentos por meio da técnica de biopreservação. As pesquisas sobre elas têm aumentado cada vez mais, oferecendo novas e ainda mais interessantes formas de aproveitamento no campo.
A médica veterinária Carolini Fraga Coelho, que também é mestre em sanidade suína, destaca que várias espécies de bactérias do gênero Bacillus produzem substâncias com atividade antimicrobiana. As bactérias lácticas utilizadas na fermentação de alimentos são capazes de inibir ou reduzir a contaminação por microrganismos deteriorantes e/ou patogênicos, por meio da produção de vários agentes antimicrobianos. A acidificação é o fator primário na preservação de produtos de fermentação láctica.
“Entretanto, outros compostos como diacetil, dióxido de carbono, peróxido, etanol e bacteriocinas podem exercer ação inibitória sobre diferentes grupos de microrganismos. Muitas pesquisas vem sendo realizadas sobre a produção de bacteriocinas das bactérias gram-positivas, em particular das bactérias ácido láticas”, explica.
Carolini lembra ainda que muitos desses organismos são de grau alimentício, já amplamente utilizados na indústria de alimentos. “As pesquisas agora se voltam para o aperfeiçoamento no processo de conservação dos organismos. Outro ponto interessante estudado é a possível aplicação sobre a prevenção de doenças infecciosas nos animais”, diz. Segundo ela, há bactérias de baixo potencial “indutor” de doença, que poderiam ser utilizadas em tratamento de enfermidades.
Utilização
Conforme a mestre em sanidade suína, bacteriocinas são definidas como proteínas antibióticas do tipo colicina, ou seja, moléculas caracterizadas como peptídeos antimicrobianos que destroem ou inibem o crescimento de outras bactérias taxonomicamente relacionadas com a cepa produtora.
Nesse contexto, a nisina foi inicialmente purificada e comercializada na Inglaterra em 1953, sendo considerada segura para uso em alimentos em 1969. Na Europa, em 1983, foi adicionada à lista de aditivos alimentares e, em 1988, nos EUA, o Food and Drug Administration (FDA), órgão governamental dos Estados Unidos da América que faz o controle dos alimentos tanto humanos como animais, autorizou seu uso em queijos processados. No Brasil, em 1996, foi autorizado o emprego da substância em queijos na concentração de até 12,5 mg.kg-1.
Segundo Carolini, a nisina é produzida por certas linhagens de Lactococcus lactis. Seu nome é derivado do termo “N-inhibitory substances”(NiS), adicionado ao sufixo “ina”. “Foi descrita como uma substância inibidora do crescimento do Lactobacillus bulgaricus. Posteriormente, chegou-se à conclusão de que a nisina inibe o crescimento de bactérias gram-positivas e o crescimento de esporos de Clostridium e Bacillus“, expõe a profissional.
Gram-positivas
Um importante detalhe, de acordo com a médica veterinária, é que a nisina produzida por Lactococcus lactis é muito ativa contra a maioria das bactérias gram-positivas, incluindo gêneros Lactococcus, Lactobacillus, Bacillus, Micrococcus, Staphylococcus aureus, Listeria e Clostridium botulinum.
Carolini explica que as bacteriocinas estão distribuídas em quatro classes. Em geral, a classe I, ou lantibióticos, representada pela nisina, é constituída por peptídeos termoestáveis de baixo peso molecular, diferenciados dos demais pela presença de lantionina e derivados. A classe II é composta por pequenos peptídeos termoestáveis divididos em três subclasses: IIa (pediocina e enterocina), IIb (lactocina G) e IIc (lactocina B). A classe III é representada por peptídeos termolábeis de alto peso molecular, como helveticina J. Na classe I, encontram-se grandes complexos peptídicos contendo carboidrato ou lipídio em sua estrutura.
Em 2006, as bacteriocinas foram distribuídas em três grandes classes de acordo com suas características bioquímicas e genéticas. De acordo com Carolini, a classe I ou lantabióticos são peptídeos que contêm lantionina ou b-lantionina (ex. nisina), a classe II, heterogênea de pequenos peptídeos termoestáveis (ex. pediocina), e a classe III, grandes peptídeos termolábeis (ex. helveticina).
“De um ponto de vista prático, as bacteriocinas, para atuarem como biopreservantes, devem competir, inibir bactérias de deterioração e não causar alterações organolépticas indesejáveis”, afirma.
Carne suína
De acordo com a médica veterinária, na indústria de carne suína, de modo geral, as bacteriocinas de maior importância são a nisina e a enterocina. A nisina, produzida pela cultura de Lactobacillus lactis lactis, é de grande importância na bioconservação da carne. Da mesma forma, a enterocina, produzida pela cultura de Enterococcus faecalis é de extrema importância para a bioconservação da salsicha, tendo como microorganismo alvo o Staphylococcus aureus.
Outra bactéria estudada para o uso na indústria é a Leuconostoc gelidum, isolada a partir de carne embalada a vácuo. Ela produz a bacteriocina leucocin A, que é bacteriostática e ativa contra um amplo espectro de cepas de Listeria monocytogenes e Enterococcus spp., mas não é ativa contra Brochothrix spp., Staphylococcus spp. ou bactérias gram-negativas.
“Atualmente, muitas pesquisas sobre bacteriocinas têm se estendido além do campo da indústria. Sabe-se que genes que codificam peptídeos antimicrobianos de defesa, como as bacteriocinas, diferem de várias formas dos antibióticos clássicos e podem proporcionar uma abordagem totalmente nova para o combate a doenças infecciosas e infecções nocosomiais (infecções concomitantes causadas por mais de um agente) no campo”, diz Carolini.
Segundo ela, alguns autores citam que a grande diferença estaria na forma de atuação. “Enquanto os antibióticos inibiriam as enzimas essenciais no processo de combate à bactéria durante dias, esses peptídeos agiriam rapidamente destruindo ou permeando a membrana microbiana e prejudicando a capacidade de realizar processos anabólicos”, afirma.
Estudo
Carolini cita estudo conduzido por Yeon- ok e Ahn, em 1997, no qual foram trabalhadas bactérias ácido-láticas fermentadoras de um alimento muito tradicional da Coréia e que originaram a bacteriocina produzida por Leuconostoc sp. Os pesquisadores descobriram que essa bacteriocina tinha uma ampla atividade antimicrobiana contra patógenos gram-positivos.
Para a veterinária, a evolução no estudo das bactérias para o aproveitamento no campo e na indústria é muito importante, tendo em vista a atual demanda mundial. Ela argumenta que, do campo à indústria, as bactérias exercem também uma atividade benéfica.
“Cabe à pesquisa desenvolver e aperfeiçoar técnicas que venham melhorar tanto o processo de bioconservação do alimento quanto as alternativas de prevenção e tratamento de doenças dos animais no campo. A diminuição do uso de antibiótico vem sendo mencionada há alguns anos e as exigências por parte de mercados externos se estreitam a cada dia. O uso de ferramentas alternativas, que busquem uma suinocultura ‘limpa’, sem resíduos e que não tenha impacto na saúde humana e no meio ambiente, constitui uma estratégia promissora no campo da biotecnologia”, diz.
Fonte: Suinocultura Industrial (acessado em 09/11/2011)