Vida de ‘cachorreira’ começa recolhendo bichano abandonado na rua
– provavelmente estropiado, com aquela cara ‘pidoncha’
e miado agudo e lamentoso – e segue repleta de dificuldades, principalmente
as financeiras. Obviamente que a primeira parte da frase não vale como regra,
mas, coincidentemente, as duas ‘cachorreiras’ com
quem o G1 conversou começaram suas respectivas ‘criações’ recolhendo um gato
na rua.
Atualmente, a professora aposentada Vilma Aranaga,
de 54 anos e há seis recolhendo animais de rua, tem 166 cachorros, sendo
quatro filhotes, e 24 gatos – estes criados dentro da casa em uma chácara de
oito mil metros quatros na cidade de São Roque,
E a jornalista Renata Bernardis, de
35 anos e que começou aos 8 recolhendo um gatinho,
contabiliza 80 cães recolhidos e soltos em um sítio de quatro alqueires em
Mairiporã, na Grande São Paulo. E só não tem mais porque a mãe e a tia a
proibiram de recolher mais animais.
Ah, cabe a explicação: ‘cachorreira(o)’ é como as pessoas que recolhem e dão abrigo para cães
abandonados pelas ruas e praças das cidades se chamam ou se reconhecem. E
depois do primeiro são tomadas por uma espécie de
febre em querer ajudar estes pobres seres. E não param mais.
Há 10 anos, Vilma retornou do Japão ao lado do marido. Lá, tentou a vida como
dekassegui, como são chamados os imigrantes pelos
japoneses. Certo dia, ao caminhar pelas ruas do Butantã, na Zona Oeste de São
Paulo, deparou-se com um gato abandonado. De repente, foi o começo de tudo.
“Ele estava todo queimado de cigarro e abandonado em um campo de futebol. E
tinha hidrocefalia (água no cérebro). Por causa disso, o veterinário disse
que ele morreria logo. Cuidei dele e não apresentou mais o problema. A Mel morreu há uns três meses”, contou Vilma.
No caso de Renata, o amor pelos bichos foi herança da avó, que, quando ela
nem era nascida, já recolhia gatos e levava para casa no Centro de São Paulo.
Recolheu tantos que os vizinhos começaram a
reclamar. “Daí meus avós decidiram ir embora com os
gatos e foram morar nesse sítio,
papagaio, tucano. Cresci no meio dos bichos.”
Aos 7 anos, Renata ganhou patos. “Eu dava uma volta com os patos pelas ruas
do Paraíso (região da Paulista). Eles seguem as pessoas. Para mim, era normal
aquilo”, relata, divertida. E aos 8,
claro, recolheu o seu primeiro gato. “Era um gato preto que miava muito de
fome”, recorda.
Preconceito
A partir do primeiro, do segundo, do terceiro e outros cães, ganharam fama de
‘cachorreiras’ e as pessoas começaram a abandonar
os cachorros em suas portas. Quase todos legítimos vira-latas, menosprezados
em tempos de bichinhos adquiridos e tratados em pet shops e de raças exóticas
da moda.
Depois de todos os cuidados com o animal, como limpeza, vacina e medicação,
Vilma costuma colocar os cachorros do seu abrigo para adoção, mas esbarra no
preconceito das pessoas. “Todos estão para adoção, mas há muito preconceito
com vira-lata. E com cachorro preto então nem se fala”, explica,
inconformada.
Depois de uma má experiência, Renata desistiu de doar os seus “peludinhos”.
“Uma médica me fez desgostar de adoção. Ela sumiu com o cachorro. Depois da
adoção, sempre faço um acompanhamento. Eu liguei e ela me disse que deu para
a faxineira. Falei com a faxineira e ela me disse que deixou cair na mudança.
Daí eu desisti. Agora, só para amigos”, revela.
Mas antes da dificuldade de se encontrar alguém disposto a adotar um cachorro
vem a de mantê-los. São despesas com alimentação, veterinário e castração,
para evitar que se reproduzam descontroladamente. Para alimentar os seus 166
cães, por exemplo, Vilma gasta três sacos de
mês, são cerca de R$ 3.500,00. “Se precisar tirar do orçamento de casa, eu
tiro, mas não deixo faltar para eles”, afirma,
orgulhosa.
Como ajudar
Para mantê-los, Vilma conta com doações. E para que os interessados em
ajudá-la neste trabalho possam fazer contato, ela disponibiliza um endereço
de e-mail (vilma_aranaga@yahoo.com.br ) e até mantém uma página do abrigo para cães no site de
relacionamento orkut.
Renata, por sua vez, recebe ajuda de um distribuidor de ração, além do apoio
de veterinários amigos, mas as despesas entre caseiro do sítio, remédios e
veterinário, consomem entre R$ 3 mil a R$ 4 mil. E, claro, se desdobra em
várias para manter o bem-estar dos cães. “Vou buscar a ração. Acompanho a
castração. Levo no veterinário. Mas estou tendo de me conter para não
recolher mais animais por uma questão financeira”, lamenta.
Apesar das dificuldades, em momento algum as ‘cachorreiras’
esboçam qualquer suspiro de arrependimento. “Por que eu gosto tanto de
animais? Gente, você dá, dá, dá, e de vez em quando recebe algo
vem uma lambada de vez
quando. Cachorro
O argumento é parecido com o de Renata. “É uma coisa meio poética. Bicho é
mil vezes melhor que ser humano. Não roubam, não matam, não estupram. Não
existe animal ruim; existem pessoas que transformam os animais em seres
agressivos”, explica. Em resumo, vida de ‘cachorreira’
não é fácil, mas vale a pena. Pois, se não há
reconhecimento por parte das pessoas, os cães e gatos, com certeza,
agradecem. E muito.
Fonte: G1, acesso em 01/06/2009