Cólica, diarreia, enjoo e vômitos são sintomas que a maioria das pessoas já enfrentou ao menos uma vez na vida. Esses sinais, muitas vezes negligenciados, podem indicar doenças provocadas pelo consumo de alimentos ou água contaminados — um grave problema de saúde pública que atinge milhões de pessoas em todo o mundo, todos os anos. Em casos mais severos, a intoxicação alimentar pode, inclusive, levar à morte.
Para conscientizar a população sobre a importância da prevenção das Doenças de Transmissão Hídrica e Alimentar (DTHA), a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) instituiu o dia 7 de junho como o Dia Mundial da Segurança dos Alimentos. E este ano, o tema escolhido foi:
“Segurança dos Alimentos: Ciência em Ação”.
A proposta é destacar o papel fundamental da Ciência na garantia da segurança dos alimentos e incentivar governos, empresas e consumidores a tomarem decisões mais conscientes e baseadas em evidências quando o assunto é a produção, o consumo e o controle de alimentos.
Nesse cenário, médicos-veterinários e zootecnistas têm um papel essencial na garantia da segurança dos alimentos de origem animal. Eles atuam em diversos pontos da cadeia produtiva, como destaca o médico-veterinário e presidente da Comissão Técnica de Agronegócio do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Sílvio Hungaro:
Segurança dos alimentos começa na produção
A prevenção das zoonoses alimentares exige um trabalho conjunto e multidisciplinar, envolvendo principalmente médicos-veterinários e zootecnistas. É o que destaca a zootecnista Vanessa Pillon, que integra a Comissão Técnica de Zootecnia e Ensino do CRMV-SP.
O zootecnista contribui com a segurança dos alimentos ao implementar boas práticas de manejo e bem-estar animal, balanceamento e controle de qualidade das rações para animais, sistemas de criação e produção animal, além do manejo de pastagens e culturas destinadas à alimentação de animais.
Ao atuar na prevenção e controle de zoonoses, os profissionais não apenas protegem os rebanhos, mas também contribuem para a saúde pública. O professor do Departamento de Produção Animal e Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (FMVZ-Unesp/Botucatu), Juliano Pereira, explica que o médico-veterinário é responsável por implementar e fiscalizar procedimentos que reduzem a carga microbiana e evitam a contaminação cruzada.
“Ele supervisiona o cumprimento das boas práticas de fabricação, recomenda análises microbiológicas e participa ativamente da investigação de surtos. Sua formação específica em microbiologia e inspeção de alimentos o torna peça-chave na prevenção da transmissão de agentes patogênicos ao consumidor”, explica.
Outro ponto crucial da atuação médico-veterinária na proteção da saúde animal e humana é o uso consciente de medicamentos. A coordenadora técnica médica-veterinária do CRMV-SP, Carla Maria Figueiredo de Carvalho, ressalta que o uso inadequado ou indiscriminado de antibióticos na produção animal, seja para tratamento, prevenção ou como promotor de crescimento, pode ter sérias consequências. “Além de favorecer o desenvolvimento da resistência bacteriana, pode causar reações alérgicas e hipersensibilidade nos humanos. Também existe o risco de contaminação ambiental, com resíduos de medicamentos atingindo o solo e a água.”
Melhoramento Genético
A seleção genética é mais uma estratégia essencial por meio da qual zootecnistas e médicos-veterinários contribuem para a segurança dos alimentos de origem animal. Essa prática busca desenvolver animais mais resistentes a doenças e melhor adaptados ao ambiente, como explica a zootecnista e doutora em Ciências Biológicas, Célia Regina Carrer, que também integra a Comissão Técnica de Zootecnia e Ensino do CRMV-SP.
“Ao aperfeiçoar características genéticas desejáveis, como resistência a enfermidades, adaptação às condições climáticas e maior eficiência alimentar, por meio do melhoramento genético, é possível elevar a produtividade animal e melhorar a qualidade dos alimentos. Isso se reflete, por exemplo, na produção de carnes mais macias, leite com maior teor de proteínas e ovos com cascas mais resistentes”, enfatiza a zootecnista.
Orgânicos
Na produção de alimentos orgânicos de origem animal, a segurança dos alimentos exige ainda mais rigor no controle sanitário, especialmente porque o uso de antibióticos é restrito, como destaca a coordenadora técnica médica-veterinária do CRMV-SP.
“Além dos critérios exigidos na criação dos animais destinados à produção orgânica, é necessário manter um controle de qualidade rigoroso em todas as etapas de processamento e distribuição dos produtos e subprodutos. Cabe ao médico-veterinário a responsabilidade pela fiscalização e certificação desses processos, garantindo que os alimentos atendam aos padrões de qualidade e segurança exigidos para o consumo humano”, destaca Carla Maria.
Apesar dos desafios, esse controle reforçado evidencia ainda mais o papel estratégico do médico-veterinário nesse tipo de produção, como aponta o professor Juliano Pereira, da FMVZ–Unesp/Botucatu. “Embora a menor escala produtiva e o foco no bem-estar animal favoreçam o monitoramento, os riscos microbiológicos persistem e exigem atenção constante. Por isso, o médico-veterinário é peça-chave na orientação técnica e na vigilância sanitária das cadeias orgânicas, podendo atuar como responsável técnico e assegurando a conformidade com as normas vigentes.”
Formação de qualidade é essencial
Tanto na cadeia produtiva quanto na fiscalização sanitária, a atuação dos médicos-veterinários e zootecnistas exige uma formação sólida, que combine base teórica consistente com vivência prática.
Por isso, algumas experiências essenciais simplesmente não podem ser reproduzidas em ambiente virtual, como enfatiza Sílvio Hungaro, presidente da Comissão Técnica de Agronegócio do CRMV-SP. “A adoção do modelo EaD para cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia é inadequada. Muitas disciplinas demandam participação ativa em aulas práticas presenciais e individualizadas. Essas atividades são fundamentais para um aprendizado completo e de qualidade”, reforça.
A coordenadora técnica médica-veterinária do Regional, Carla Maria Figueiredo de Carvalho, reforça que a formação prática é especialmente crítica para profissionais que atuam na inspeção e fiscalização sanitária, áreas em que os médicos-veterinários desempenham papel essencial. “O médico-veterinário atua em diversas frentes da fiscalização sanitária, com o objetivo de garantir a segurança dos alimentos de origem animal consumidos pela população e, assim, proteger a saúde pública.”
O professor Juliano Pereira, da FMVZ–Unesp/Botucatu, também destaca que a formação de qualidade vai além de conteúdos teóricos. “Embora o ensino à distância possa oferecer bons recursos didáticos, ele não substitui as experiências práticas vividas em laboratórios, frigoríficos e no campo. Um bom fiscal sanitário precisa de formação ampla, técnica e ética. Sem isso, há risco real de comprometer a qualidade da fiscalização e, consequentemente, a segurança dos alimentos que chegam à mesa do consumidor.”