Nos últimos dias, a febre aftosa voltou a ser destaque internacional após a confirmação de casos, no dia 10 de janeiro, em um rebanho de búfalos nos arredores de Berlim, na região de Brandemburgo. A Alemanha não registrava casos da doença há 40 anos.
Esse evento resultou na perda do certificado de território livre da doença sem vacinação pelo país europeu, um golpe para o setor agropecuário alemão e reacendeu discussões sobre a gestão sanitária global e, localmente, sobre a posição do Brasil.
A febre aftosa é assustadora para o setor de produção animal, devido à sua rápida propagação, como explica, Gabriel Adrian Sanchez Torres, médico-veterinário especializado em febre aftosa do Centro Panamericano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (Panaftosa) da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).
“A febre aftosa é uma doença viral aguda, causada por um Aphthovirus, que afeta diversas espécies animais, especialmente as de casco fendido. Entre os animais domésticos de produção, acomete bovinos, bubalinos, suínos, caprinos e ovinos, causando, entre outros sinais, febre, apatia, claudicação, salivação excessiva, queda na produção e surgimento de vesículas e bolhas, especialmente na cavidade oral, cascos e tetos. É uma doença que se dissemina muito rapidamente, sendo uma das mais contagiosas do mundo”, afirma Torres.
O homem pode ter ação na disseminação do vírus, alerta o médico-veterinário da Panaftosa. “O ser humano pode ter um papel muito importante como vetor mecânico, e não biológico, da doença. Assim, fômites (objeto inanimado que pode transportar micro-organismos patogênicos, que podem causar doenças), como roupas, botas, luvas e equipamentos de inseminação artificial, podem ajudar a disseminar o vírus entre diferentes propriedades.”
Segundo informações publicadas pela agência de notícias Reuters, em pronunciamento à imprensa no último dia 15 de janeiro, Cem Özdemir, ministro da Agricultura alemã, garantiu que não foram localizados novos casos da doença no país. Profissionais ainda trabalham para descobrir a origem do surto.
A situação do Brasil
No Brasil, a febre aftosa é uma preocupação constante, mas o país tem investido fortemente em programas de erradicação e controle. Desde 2000, foi desenvolvido um sistema robusto de vigilância epidemiológica e vacinação, que tem garantido a erradicação da doença no território.
Atualmente, o Brasil é reconhecido internacionalmente pela Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa) como um território livre de febre aftosa com vacinação, o que permite ao país exportar carne bovina para mercados exigentes como a União Europeia. A vacinação em massa de todo o rebanho nacional é um dos pilares desse sucesso, além de um rigoroso controle sanitário e fiscalizações constantes em fronteiras e pontos de entrada de produtos de origem animal.
Mudança de status
Embora a vacina seja uma medida eficaz de controle, o Brasil tenta obter um certificado internacional de status sanitário livre da febre aftosa sem vacinação. Como explica o presidente da Comissão Estadual de Agronegócio do CRMV-SP, Sílvio Húngaro.
“O Brasil, seguindo com o Plano Estratégico do Programa Nacional de Erradicação da Febre Aftosa (PEPNEFA), se auto declarou totalmente livre da doença sem vacinação, com o reconhecimento pelo Ministério da Agricultura em 2024 e se submeteu para reconhecimento da Organização Mundial de Saúde Animal (Omsa)”, afirma.
A suspensão da vacinação obrigatória pode dar medo, quando surgem novos casos no mundo, mas o reconhecimento que o País busca é importante para o agronegócio nacional, é o mais alto status sanitário em relação à febre aftosa, o que aumenta a competitividade do produto brasileiro, ressalta Húngaro.
“Além de ser uma vitória sobre o controle de uma doença animal, o status de totalmente livre de febre aftosa sem vacinação alinha o Brasil aos principais exportadores de carnes, leite e outros produtos de bovinos do mundo, ampliando as oportunidades de negócios para o setor.”
Erradicação da doença
O Ministério da Agricultura reconheceu que o Distrito Federal e 16 estados brasileiros estão livres da febre aftosa em bovinos e, por isso, não precisam mais vacinar seus rebanhos. Entre eles está o estado de São Paulo. O Brasil espera ter este status confirmado internacionalmente em maio de 2025, na assembleia mundial de delegados da Omsa, que ocorrerá em Paris.
O médico-veterinário Gabriel Adrian Sanchez Torres do Panaftosa esclarece que a vacinação por si só não impede a circulação da doença e que outras medidas são ainda mais relevantes nesse momento.
“É importante destacar que o status de livre sem vacinação é a confirmação final de que a doença foi efetivamente erradicada. Manter a vacinação, ao contrário do que algumas pessoas acreditam, não impede a reintrodução da doença, como a ocorrência de focos em países livres com vacinação já comprovou diversas vezes. Deixar de vacinar e substituir a vacinação por medidas de vigilância, mitigação de risco e preparação para emergências é um passo importante que reflete a maturidade e a qualidade do serviço veterinário de um país”, pondera.
Vigilância Constante
Ainda que muito importante, a vacina não é a única medida de prevenção ou controle da doença. É fundamental que produtores rurais e, especialmente, médicos-veterinários estejam atentos aos sinais clínicos da enfermidade.
“Para a prevenção de febre aftosa, tal como outras viroses, os produtores devem sempre seguir as normas de biosseguridade na propriedade, e, principalmente, a vigilância sanitária, informando às autoridades regionais todo e qualquer caso suspeito quer em propriedades produtoras, quer em animais isolados considerados de subsistência ou ‘fundo de quintal’. O compromisso e o dever em notificar os casos suspeitos são de todos, incluindo médicos-veterinários, zootecnistas, produtores e demais técnicos e profissionais da cadeia de produção animal”, orienta o presidente da Comissão Estadual de Agronegócio do CRMV-SP.
Colaboração como medida preventiva
O Centro Panamericano de Febre Aftosa e Saúde Pública Veterinária (Panaftosa) braço da Opas sobre a doença, também coopera tecnicamente com os países do continente sobre o tema, destaca Gabriel Adrian Sanchez Torres.
“Atualmente, por exemplo, estamos ajudando países como Chile, Guiana, Panamá, Honduras e Guatemala a revisarem e atualizarem seus planos de contingência. O Panaftosa também possui um laboratório de referência mundial no diagnóstico de doenças vesiculares, além de produzir kits de diagnóstico de febre aftosa. Outra linha importante de trabalho é a organização que o Centro vem fazendo de um banco de vacinas regional, o Banvaco, para casos de emergências relacionadas à febre aftosa”, pontua Torres.
O Panaftosa também organiza as reuniões anuais da Comissão Sul-Americana de Luta contra a Febre Aftosa (Cosalfa), nas quais os países expõem seus avanços na área e trocam experiências. A próxima será em Santa Cruz, na Bolívia, entre os dias 3 e 4 de abril.
Atualize-se!
Além das medidas elencadas para prevenção e controle da doença nos países sul-americanos, o Panaftosa lançou um curso on-line sobre febre aftosa, voltado ao produtor rural, mas que pode ser acessado por qualquer profissional interessado no tema.
Para mais informações, acesse: Curso on-line de Febre Aftosa da Panaftosa .