Ao contrário de muitos
humanos da cidade, os macacos-pregos não conhecem os caminhos até suas
árvores favoritas apenas porque os decoram. Pesquisadoras brasileiras se
enfiaram no meio da mata e descobriram que eles são capazes de inventar
atalhos por dentro da floresta até o local onde tomarão café da manhã no dia
seguinte. Isso exibe um grau de planejamento espacial até agora só observado
em dois primatas altamente intelectuais: humanos e chimpanzés. Mais uma
habilidade especial na lista desse gênio da selva.
Os macacos-pregos (Cebus nigritus)
do Parque Estadual Carlos Botelho, a cerca de
Paulo, não perambulam a esmo pela mata, nem se prendem a rotas fixas em busca
de comida.
"Você decorou um caminho. Sempre passa pela avenida
Paulista. Mas se tiver que dar uma volta na alameda Santos não consegue, não
sabe", exemplifica Mariana Fogaça, bióloga da
USP (Universidade de São Paulo). Não é o caso dos macacos: se morassem na
cidade e não na floresta, poderiam picotar o Jardim Paulista inteiro sem se
perderem. Quem tem noção espacial consegue sair da sua trilha e ainda assim
voltar.
Ainda na analogia paulistana, os animais saberiam de cor quais são os
melhores restaurantes da região. As cientistas descobriram que eles se
lembram das árvores onde já pegaram frutas. Quanto mais carregadas as árvores de uma região, mais eles correm até elas.
Onde comer amanhã?
As pesquisadoras, várias vezes, mediram a distância do local onde os macacos
passaram a noite até a última árvore onde comeram antes de dormir. Mediram
também a distância até a primeira árvore onde
comeram no dia seguinte. Resultado: os bichos iam dormir perto da árvore que
atacariam quando acordassem no dia seguinte.
Ou seja, os macaquinhos não escolhem qualquer canto para dormir. Eles
planejam as suas atividades futuras. As pesquisadoras enxergam os resultados
como um golpe no antropocentrismo. "A gente superestima a capacidade
humana, achamos que ela é supercomplexa", diz
Patrícia Izar, psicóloga experimental da USP e
orientadora do estudo.
Correndo atrás de macaco
Observar o comportamento de bandos de animais com menos de
que vivem no alto das árvores na mata atlântica não é trivial. As
pesquisadoras passaram de
a
anos.
Maluquice? "Todo mundo acha. A família, a maioria das pessoas que você
comenta faz uma cara estranha", diz a geógrafa Andrea Presotto. Elas não desgrudam de seus objetos de estudo,
nem quando eles se perdem na floresta. "A gente corre quando é para
correr. Quando eles param a gente para, às vezes almoçando em pé."
São 13 ou 14 horas por dia atrás dos macacos-pregos. Não, elas não dormem sob
as árvores –há um alojamento para pesquisadores no parque. "O grande
mérito do trabalho é a observação naturalística", diz Izar. "Em laboratório os resultados são mais
pobres".
É fácil descobrir se alguém não têm boa noção espacial vendo ela se perder
nas alamedas em torno da avenida Paulista, mas bem
mais difícil observando o seu comportamento dentro de uma casa fechada.
Macacos piauienses
As pesquisadoras da USP querem, agora, comparar o comportamento desses
macacos-pregos da mata atlântica com o dos que vivem no Piauí, onde a
geografia é bem diferente: cerrado, sem tantas árvores.
"No Piauí, existem aqueles morros no meio das chapadas. No alto desses
morros você tem uma visão em 360 graus. Você tem chance, então, de planejar
diferente. Lá, por exemplo, eles sempre voltam para dormir no mesmo lugar.
Isso não acontece na mata atlântica", diz Izar.
Fonte: Folha Online, acesso em 08/06/2009