Mecanismos de infecção e a relação entre animais de estimação e a Covid-19

CFMV esclarece as diferenças entre os diferentes tipos de coronavírus
Comunicação CFMV / Alexandre G. T. Daniel; Marcelo D. Goissis; Paulo E. Brandão

Dadas as recentes informações veiculadas pela mídia em que gatos, cães e até felídeos silvestres (cinco tigres e três leões até o momento) testaram positivo para o coronavírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, ou tiveram suspeita de terem tido contato com vírus, é importante discutir a possibilidade de se esses animais possam ter sido realmente infectados e, se sim, quais medidas podem ser tomadas por médicos-veterinários e tutores.

O Betacoronavirus que causa a Covid-19 (Coronavírus disease 2019), inicialmente denominado de 2019-nCoV, é chamado de SARS-CoV-2. É um coronavírus diferente dos que comumente acometem os gatos e cães, como o coronavírus entérico felino e o coronavírus canino, que são Alphacoronavirus e NÃO infectam os humanos.

O SARS-CoV-1, causador da SARS, que emergiu em 2003, usa a enzima conversora de angiotensina 2 (ACE2) como receptor (Li et al. 2003. doi: 10.1038/nature02145), assim como o SARS-CoV-2 (Wan et al. 2020, DOI: 10.1128/JVI.00127-20). Essa proteína é expressa em células do trato respiratório e de outros tecidos, especialmente nos pulmões (Hamming et al. 2004, DOI: 10.1002/path.1570).

A identidade entre as sequências de aminoácidos da ACE2 humana (XP_011543851.1), de felinos (NP_001034545.1) e cães (NP_001158732.1) é de 86% e 84% respectivamente. A ligação entre o receptor celular e a proteína de acoplamento viral, chamada de proteína de espícula no caso dos coronavírus, se dá principalmente por meio de cinco aminoácidos.

Desses cinco aminoácidos, dois são diferentes nos gatos (Wan et al. 2020) e cães, quando comparados aos humanos. Entretanto, são aminoácidos com características bioquímicas similares que permitem inferir que o vírus reconheça a ACE2 desses animais (Wan et al. 2020).

Os ferrets tem os mesmo cinco aminoácidos que os gatos (Wan et al. 2020) e são passíveis de infecção por SARS-CoV-2 e de causar transmissão horizontal (Kim et al. 2020, DOI: 10.1016/j.chom.2020.03.023). Em 2003 já havia sido demonstrado que ferrets e gatos podiam ser infectados com o SARS-CoV, o coronavírus causador da SARS, e apresentavam transmissão horizontal (Martina et al. 2003, doi.org/10.1038/425915a). No entanto, não houve relatos de gatos sofrendo de maneira massiva de infecção respiratória grave, nem o relato da transmissão zoonótica da SARS.

Tendo em vista a possibilidade bioquímica para infecção pelo coronavírus causador da Covid-19 e relato esparsos de infecções e transmissão horizontal do coronavírus causador da Covid-19 (Bélgica, Hong Kong e EUA), devemos considerar com cuidado a possibilidade de que gatos possam ser infectados por SARS-CoV-2. Entretanto, estudos científicos bem delineados devem esclarecer o real papel epidemiológico dos animais domésticos na pandemia de Covid-19.

Até o momento, não existem evidências de transmissão do coronavírus SARS-CoV-2 de gatos domésticos para humanos, com somente o inverso sendo referido.

Sendo assim, não existe necessidade de medo ou pânico com relação aos gatos e cães desenvolverem ou transmitirem o coronavírus que infecta os humanos. Tampouco existe indicação da realização desse teste nos animais de companhia.

O gato pode ser um sentinela e um hospedeiro terminal, refletindo o ambiente em que vive, não sendo ainda um transmissor confirmado do vírus para humanos. Os gatos e cães podem atuar como carreadores do vírus, com seu pelame atuando como fômite, e até podem, eventualmente, adquirir o agente viral se conviverem com um (ou mais) seres humanos infectados.

Ou seja, humanos com sintomatologia suspeita de Covid-19 (ou com diagnóstico confirmado) devem se isolar de outras pessoas e dos gatos e cães e outros pets, minimizando a chance de infecção das pessoas e outros animais que estão ao redor. As demais medidas de contingenciamento passadas pelo ministério da saúde devem se manter ativas.

As recomendações da World Small Animal Veterinary Association e da American Veterinary Medical Association devem ser consultadas e seguidas, com medidas plenamente aplicáveis às nossas clínicas e hospitais. Os hábitos de higiene, etiqueta respiratória e distanciamento social devem ser mantidos, com as devidas precauções e orientações de que tutores suspeitos ou positivos para Covid-19 evitem contato direto com seus pets.

Aos médicos veterinários recomendam-se o uso de máscaras, jalecos de manga comprida, óculos e para os que têm cabelos compridos, deixem os mesmos presos. Lavagem sistemática das mãos e higienize a mesa com álcool 70% após cada animal atendido, bem como maçanetas e puxadores de porta a cada cliente atendido, também é recomendada.

O atendimento e manejo dos pacientes devem ser feitos de acordo com as recomendações da Academia Brasileira de Medicina Veterinária Intensiva (BVECCS) e AMIB, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária.

E o ponto fundamental é a correta orientação dos proprietários e público geral, de que os gatos e cães são contactantes, assim como outros humanos nas unidades familiares, devendo também ser protegidos em caso de suspeita ou confirmação de COVID-19 humana dentro (e fora) de casa. E dependemos disso para minimizar o risco de abandono e comportamentos indevidos com nossos animais de estimação.

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