Atualmente, 68% dos médicos-veterinários registrados no Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP) são mulheres. Entre os zootecnistas, elas já representam 41% do total. Apesar da presença feminina nessas áreas, dificuldades de gênero persistem e para mulheres pretas a discriminação vai além e elas enfrentam, ainda, o racismo.
Para evidenciar a necessidade de maiores investimentos e políticas socioeconômicas para a igualdade de gênero, melhoria da qualidade de vida e o enfrentamento a todas as formas de discriminação contra as mulheres afrodescendentes, é celebrado o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, em 25 de julho.
A data foi instituída em 1992, em referência ao 1º encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, ocorrido na República Dominicana – primeiro país das Américas a receber escravizados trazidos da África. No Brasil, o dia 25 de julho também é lembrado por ser o Dia Nacional de Tereza de Benguela, líder quilombola que governou o Quilombo do Quariterê (MT) por 20 anos, criando uma sociedade próspera para negros e indígenas.
Dados do Censo de 2022 divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que a parcela da população brasileira composta por pessoas pretas e pardas corresponde a mais da metade, 55,5%. Cerca de 20,6 milhões se autodeclararam pessoas pretas, 10,2% da população total do País.
Mesmo sendo parte importante da população, e por vezes a maioria em países como Haiti, Jamaica e República Dominicana, pessoas negras ainda enfrentam muitas dificuldades para terem acesso a condições essenciais como saúde e bem-estar.
É o que revela o estudo La salud de la población afrodescendiente en América Latina, feita pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que analisou a situação da população afrodescendente em 18 países, incluindo o Brasil. A pesquisa mostra que a situação é tão grave que a mortalidade materna é 36% maior entre as mulheres negras brasileiras, por exemplo.
Mulheres Negras na Medicina Veterinária e Zootecnia
As desigualdades também se evidenciam no acesso à educação e ao mercado de trabalho, como aponta a zootecnista e conselheira efetiva do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Kátia de Oliveira. “Na faculdade, éramos apenas eu e mais um colega, pretos, o resto da turma era composta de pessoas brancas. Naquela época ainda não tinha letramento no Brasil sobre o racismo. O racismo aqui é velado, por baixo dos panos. Com certeza esse caminho é mais difícil para a gente, não porque colocam obstáculos, mas porque não nos dão oportunidade.”
Sobre o período da formação, a médica-veterinária e cofundadora do Coletivo Afrovet, Merielen Albuquerque, relembra. “Sentia que precisava provar meu valor mais intensamente do que os colegas, enfrentando estereótipos e microagressões diariamente.”
Outra experiência comum na universidade e no mercado de trabalho é a solidão, como lembra Débora Paulino, médica-veterinária integrante da diretoria do Afrovet. Ela conta que havia três pessoas negras em sua sala de aula, incluindo ela mesma, e apenas duas concluíram o curso.
“Ao longo da graduação, senti uma solidão pelo compartilhamento da rotina, as situações que somente pessoas pretas vivenciam. Não ter um espaço seguro para conversar sobre a sua existência, é ser silenciada por toda uma estrutura social.”
Unindo Forças
O Afrovet é um projeto que nasceu em agosto de 2020, a partir de um grupo em um aplicativo de mensagens, com o objetivo de divulgar profissionais pretos e valorizar cada um em sua respectiva área. Atualmente o coletivo promove mentorias, workshops, palestras e outras atividades para desenvolver habilidades e aumentar a visibilidade de estudantes e profissionais negros.
“O Afrovet surgiu como uma resposta à sub-representação de pessoas negras nesse campo e busca criar um espaço de apoio, aprendizado e troca de experiências”, relata Merielen Albuquerque, cofundadora do coletivo.
A partir desse projeto, outros dois foram criados, o Afromentor, programa de mentoria entre médicos-veterinários e graduandos negros, e a Liga Afrocêntrica de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária (Lacav), que busca criar oportunidades para trocar experiências e casos de estudo.
“Projetos como esses, que promovem a diversidade e a inclusão, especialmente em áreas como a Medicina Veterinária, são extremamente importantes, pois ajudam a promover a conscientização, aumentar a representatividade, e criar oportunidades. Pelo coletivo, vagas de estágios e outras oportunidades já foram criadas e ajudam a nivelar o campo de jogo para aqueles que historicamente enfrentaram discriminação”, completa a cofundadora do Afrovet.
Superando Barreiras
Apesar das dificuldades enfrentadas, com o maior acesso da população negra brasileira a cursos de nível superior, profissionais negros estão sendo aos poucos mais reconhecidos e valorizados. “Hoje eu tenho uma carreira sólida e alcancei reconhecimento por quem eu sou através do que eu faço, mesmo já tendo sido vítima de assédio moral, cuja base é o racismo estrutural que nos cerca dentro da sociedade brasileira”, afirma Débora Paulino.
Para as futuras profissionais, Kátia de Oliveira aconselha: “O caminho é não se incomodar com o que as pessoas falam. Não é fácil, tem que estudar, respeitar os colegas e não se intimidar”.
Já Merielen Albuquerque reforça a importância da autoestima. “Acredite em você mesma e na sua paixão! A Medicina Veterinária é uma área incrível, cheia de oportunidades para fazer a diferença na vida dos animais e das pessoas. Não deixe que os desafios ou preconceitos te desanimem.”