Recentemente, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) publicou a Resolução nº 1.595/2024 e alterou norma anterior que proibia e definia cirurgias mutilantes em pequenos animais. Com a nova redação, a Resolução CFMV nº 877, de 15 de fevereiro de 2008, passa a autorizar o corte reto da ponta da orelha de felinos para fins de identificação de animais castrados.
Com a publicação, a identificação de felinos domésticos submetidos à esterilização em programas de controle e manejo reprodutivo e populacional, com corte reto da orelha, não é mais considerada um método mutilante. Para a médica-veterinária Evelynne Hildegard Marques de Melo, conselheira suplente do CFMV e relatora do processo, na prática, a Resolução traz mais segurança profissional aos médicos-veterinários que trabalham com o método da Captura, Esterilização e Devolução (CED).
O CED é um método de manejo humanitário para controlar o número de gatos de vida livre. “Na verdade, trata-se de uma atualização legislativa. O corte reto da ponta da orelha de felinos domésticos castrados e mantidos em vida livre é uma sinalização usada internacionalmente e o Brasil vem se atualizando. No âmbito profissional é através da Resolução nº 1.595/2024 do CFMV, que, anteriormente, mantinha o entendimento como Nota Técnica no site oficial da autarquia”, explica Evelynne.
A coordenadora técnica médica-veterinária do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Alessandra Karina da Silva Fonseca, ressalta que “a regulamentação desse método de identificação é muito benéfico, pois impede a captura de animais já castrados, evitando submetê-los à sedação e estresse desnecessários, além de perda de recursos”.
Requisitos básicos
A identificação ou sinalização visual de felinos castrados e mantidos em vida livre nas comunidades requer um meio que seja visível à distância e internacionalmente conhecido para sinalizar que o animal é castrado.
“Dessa forma, em todo o mundo, o meio que vem sendo adotado é um corte reto na ponta da orelha dos felinos domésticos. Há guias técnicos internacionais que definem o corte reto na ponta da orelha esquerda para os felinos machos e há a indicação de orelha direita para as fêmeas. Mas, de modo geral, entende-se que um felino em vida livre e castrado leva uma marca visual, que é a ponta da orelha em corte reto”, esclarece a conselheira do CFMV.
Este procedimento é adotado por causa de características peculiares de felinos domésticos, principalmente, os de vida livre, que se desenvolvem distantes do convívio humano e acabam mantendo o comportamento feral, não permitindo serem tocados facilmente.
“Além disso, não toleram artefatos presos ao corpo como brincos ou colares, o que pode levar à mutilação durante as tentativas de remoção dos objetos. Ainda por causa da dificuldade de serem acessados na forma de criação em liberdade, o uso de microchips também não se torna viável para permitir a leitura do equipamento digital. Tatuagens, por exemplo, só seriam viáveis em áreas sem pelagem, o que praticamente não há nesta espécie. Então, a única forma adotada, convencionalmente, é a marcação reta da pontinha da orelha, que é feita pelo médico-veterinário com o animal ainda sob anestesia, no momento da cirurgia de castração”, enfatiza Evelynne.
Alessandra salienta ainda que a identificação deve ser realizada por meio de um corte reto, removendo somente a ponta da orelha dos felinos domésticos. “Após cicatrizada, essa marcação não causa dor e nem desconforto ao animal, nem compromete seus sentidos”.
Política pública
Lei em vários países, o método CED permite que caninos e felinos atinjam suas expectativas de vida em liberdade sem se reproduzir. “É política pública em apoio à Saúde Única e importante protocolo no manejo populacional destas espécies no meio urbano. Sendo integrada à política de reconhecimento de caninos e felinos comunitários, principalmente, previne a aglomeração e a acumulação animal em diversas situações que configuram uma falsa sensação de proteção”, afirma a conselheira do CFMV.
Evelynne ressalta, ainda, que a questão dos caninos e felinos domésticos nos centros urbanos precisa ser resolvida com políticas públicas consideradas básicas, sendo três prioritárias: política pública de investimento em castração; política de posse/guarda responsável; e política de educação ambiental. “Na sequência, vem a integração às políticas públicas de reconhecimento ao método CED e aos caninos e felinos comunitários. Fechando o pacote, o instrumento punitivo do cidadão nos casos de maus–tratos.”
Segurança jurídica
Embora seja uma recomendação descrita em protocolo internacional, no Brasil, o método ainda era visto como mutilação, por isso a manifestação técnica do CFMV ao publicar a Resolução nº 1.595/2024 traz segurança jurídica aos médicos-veterinários que trabalham com o método CED e precisam marcar os felinos castrados quando da devolução dos animais ao meio ambiente.
A conselheira do CFMV destaca que o universo legislativo é dinâmico e a chamada Lei Sansão foi fortalecida no País, ampliando a pena de cadeia para maus-tratos, com reclusão de até cinco anos, deste modo, a atualização da resolução demonstra atenção e garantias ao exercício profissional de médicos-veterinários no Brasil.
“É importante lembrar que os médicos-veterinários interessados em trabalhar com o método CED devem aprimorar as técnicas cirúrgicas tanto para a ovariosalpingohisterectomia (OVH), que deve ser minimamente invasiva, quanto para o corte reto da ponta da orelha, que deve ser limitado a extremidade do terço distal”, alerta Evelynne.
A coordenadora técnica do CRMV-SP destaca que os protocolos internacionais (World Animal Protection) orientam que a marcação deve ser realizada de forma a remover a ponta da orelha do animal. “E desaconselha a realizar o picote na lateral da orelha, pois poderá ser confundido com cicatrizes provocadas por outros ferimentos, como em caso de brigas entre animais”, conclui Alessandra.