Enfrentando um período de vacas magras, os
frigoríficos se unem com supermercados e com o BNDES para pressionar
pecuaristas por sustentabilidade
Triplicar os embarques
de carne bovina até 2014 é a aposta dos frigoríficos para reverter o período
de vacas magras que tomou conta do segmento desde o ano passado. O Brasil já
se consolidou como o maior exportador de carne bovina do mundo, com presença em
mais de 170 países – mas apetite do setor é bem maior. A meta para os
próximos cinco anos é elevar as exportações para 15 bilhões de dólares – ou
quase o triplo da atual receita anual.
A estratégia está alicerçada em dois pilares: rastreabilidade
e sustentabilidade. O topo da indústria já está consciente da necessidade das
mudanças. Frigoríficos, grandes supermercados e até o BNDES se uniram em
torno do objetivo de modernizar o setor de carne no Brasil. Mas, para
funcionar, essa tática ainda depende da adesão do mais importante elo da
cadeia: os pecuaristas.
A decisão da União Europeia de restringir as
importações de carne do Brasil por falta de rastreabilidade
dá uma ideia da importância das mudanças. As
exportações para o bloco somaram 195,2 mil toneladas e 1
bilhão de dólares em 2007, mas despencaram para 36,2 mil toneladas e 270
milhões de dólares no ano passado, quando os europeus impuseram restrições à
carne brasileira.
A notícia positiva é que os números parecem ter despertado o setor para a
necessidade de modernização. Na semana passada, o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que empresta dinheiro e é
acionista dos maiores frigoríficos brasileiros, anunciou que a partir de
agora todo apoio ao setor estará condicionado a critérios socioambientais. Os
frigoríficos terão de comprovar a adesão ao sistema de rastreabilidade
da cadeia produtiva de bovinos a partir de 2010, apresentar
um plano de desenvolvimento socioambiental e adquirir matéria-prima de
pecuaristas em conformidade com as regras de sustentabilidade vigentes no
país.
"Atuar dentro de normas socioambientais é um princípio que faz parte do
ideário da nossa entidade. Acredito que não haverá dificuldades em cumprir as
novas regras impostas pelo BNDES. Já estamos em entendimento com os
pecuaristas em relação à rastreabilidade",
disse o presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de
Carne Bovina (Abiec), Roberto Giannetti
da Fonseca.
Supermercados
As maiores redes de varejo também começaram a fazer sua parte recentemente.
Em junho, Pão de Açúcar, Wal-Mart e Carrefour anunciaram a suspensão de
compras de carne com origem em áreas desmatadas do Pará. A decisão dos
varejistas foi embasada em um relatório do Greenpeace e acatou recomendação
do Ministério Público Federal do Pará.
A decisão foi o ponto de partida para que, na semana passada, os frigoríficos
Bertin e Marfrig e os
principais supermercadistas fechassem um acordo para a execução do Programa
de Certificação de Produção Responsável na Cadeia Bovina. Amparado por uma
certificadora internacional, o programa será uma ferramenta de autorregulamentação da rastreabilidade
e origem dos bovinos e vai garantir que a carne vendida nos supermercados
brasileiros não será procedente de áreas de desmatamento ilegal em todo o
território nacional, inclusive a Amazônia.
Embora se trate de uma medida voltada ao mercado interno, vale lembrar que
das 9 milhões de toneladas de carne bovina
produzidas no ano passado, 7 milhões foram direcionadas ao consumo doméstico.
Segundo estimativas do setor supermercadista, o segmento responde de 20% a
30% das vendas de carnes no país.
"É uma iniciativa importante para todos os elos
que compõem essa cadeia. Até agora, as restrições às carnes brasileiras se
resumem a questões de ordem sanitária e estão na chamada esfera
governamental. O problema é que isso venha a se tornar uma questão de
mercado. Ou seja, que os consumidores europeus, asiáticos e norte-americanos
comecem a boicotar nossas carnes por considerá-las fora dos padrões de sustentabilidade",
afirma o presidente da Associação Brasileira de Supermercados Sussumo Honda.
Pecuaristas
O presidente do Fórum Nacional Permanente da Pecuária de Corte da
Confederação Nacional da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Antenor
Nogueira, explica que a alteração no sistema de Guia de Trânsito Animal (GTA)
– documento utilizado para transferência de bois entre propriedades e para os
frigoríficos – para o formato eletrônico, previsto para ocorrer até o fim
deste ano, já permitirá ao consumidor identificar a origem da peça de carne
exposta para a venda. A União Europeia não impõe um
modelo de rastreamento ao Brasil, mas quer a certificação de origem
alicerçada em três itens: identificação individual dos bois, base de dados
informatizada em órgão governamental e controle da movimentação de animais.
Para não perder esse mercado, já em janeiro de 2002, o Brasil decidiu se
ajustar às exigências europeias e lançou o Sistema
Brasileiro de Origem Bovina e Bubalina (Sisbov). No
entanto, o projeto original que previa o rastreamento obrigatório de todos os
animais de Estados livres de febre aftosa ou em processo de declaração até
dezembro de 2007, nunca saiu do papel. Os pecuaristas insistem que a adesão
ao programa seja voluntária e que haja algum tipo de compensação ao produtor.
Giannetti da Fonseca, da Abiec,
admite que o gado rastreado terá um valor maior de
venda no mercado brasileiro nos próximos anos – o que incentivará o produtor
a aderir a esse pacto. Segundo Nogueira, a adesão ao Sisbov
chega a ter um custo adicional de 15 reais por arroba ao produtor, mas esse
prêmio só é pago pelos frigoríficos em momentos de forte entressafra. "O
que ninguém vê é que enquanto nós tivemos uma recuperação de preços da ordem
de 43%, os nossos custos subiram 86%", afirma Nogueira, que reconhece
que o aumento nas exportações é benéfico para todos os elos da cadeia.
Em relação aos problemas que envolvem a criação de gado em áreas desmatadas,
Nogueira afirma que se trata de uma herança do próprio processo de ocupação
da Amazônia nos anos 60. Ele, no entanto, ressalta que em nenhum momento a
CNA apoia que a expansão da pecuária seja feita à
custa de desmatamentos e que o cabe agora é um processo de regularização.
Crise
A crise econômica
também explicitou a necessidade de modernização da cadeia de carne. O Brasil
se preparou para um boom de exportações que nunca veio e hoje existe um
excesso de capacidade instalada no setor. Segundo estimativas da Associação
Brasileira de Frigoríficos (Abrafrigo), 50 unidades
paralisaram suas atividades até março deste ano e pelo menos 18 frigoríficos
encontram-se em processo de recuperação judicial – entre eles, o Independência, que já chegou a estar entre os maiores do
país.
Outro problema que afeta a geração de caixa dos frigoríficos é o preço da
matéria-prima. A alta do boi gordo comprime as margens das empresas que
processam a carne. "Em 2006 e 2007, os preços da arroba chegaram a 49
reais, enquanto hoje estão em 82 reais. Ao que tudo indica,
o valor até o fim do ano deve chegar a 90 reais", diz o diretor-técnico
da consultoria Agra FNP, José Vicente Ferraz.
A valorização da arroba reflete a diminuição na oferta de bois. A partir de
2003, os pecuaristas intensificaram as taxas de abate de matrizes (fêmeas
reprodutoras), o que em longo prazo gerou a redução na oferta de bezerros,
queda no tamanho do rebanho e declínio da produção de carne bovina. O rebanho
brasileiro, que em 2005 chegou a 200,3 milhões de cabeças, deve cair para
190,2 milhões de animais neste ano, segundo a CNA.
Passos rumo à recuperação
Além de um inevitável processo de fusões e aquisições no setor, com os
maiores frigoríficos comprando aqueles que estão em dificuldade, o governo
também resolveu dar um alívio para as empresas. O Ministério da Fazenda acaba
de encaminhar ao presidente Lula proposta de alteração na tributação de PIS/Pasep e Cofins
sobre as vendas no mercado interno de carne bovina. O projeto também inclui
insumos para produção e alguns outros subprodutos do boi, como couro, sebo,
osso e chifre. O novo sistema prevê que frigoríficos exportadores possam
utilizar créditos incidentes sobre o valor de aquisição de insumos como meio
de compensação para outros tributos administrados pela Receita Federal.
O alívio tributário deve ajudar o setor a atravessar o atual período de
entressafra financeira até que as medidas de sustentabilidade e rastreabilidade avancem. Segundo Giannetti
da Fonseca, da Abiec, a transformação de toda a
cadeia produtiva é um processo que deve durar entre cinco e dez anos.
Enquanto o projeto amadurece, os frigoríficos brasileiros continuarão
sujeitos a pressões e dissabores internacionais – e com um apetite longe de
ser saciado.
Fonte: Agrolink,
acesso em 27/07/2009