Para Ministério da Saúde, tratar a leishmaniose em cães arrisca vida humana

Os tratamentos contra leishmaniose em cães disponíveis até agora não são capazes de eliminar completamente o protozoário da corrente sanguínea dos animais. Por essa razão, colocam em risco a vida de seres humanos com saúde vulnerável, que possam ser infectados. A conclusão é do Ministério da Saúde, que em outubro do ano passado propôs a realização de um novo fórum de discussão sobre o assunto.

Ontem, a assessoria de imprensa da Prefeitura de Bauru divulgou a confirmação de dois casos de leishmaniose visceral americana na cidade. Tratam-se de um menino de três anos, morador do Ferradura Mirim, e uma menina de quatro anos, do bairro Santa Edwiges. Ambas já passaram por tratamento no Hospital Estadual. Com mais essas duas ocorrências, Bauru passa a totalizar quatro casos da doença neste ano, sem óbito. Em 2009 foram registrados 37 casos.

Em outubro do ano passado, foi feita uma revisão bibliográfica dos periódicos científicos de circulação nacional e internacional. A conclusão reiterou a proibição do tratamento canino no País e a indicação de eutanásia para cães infectados.

Segundo o texto elaborado pelo governo federal, os modelos de tratamento propostos atualmente podem levar a uma melhoria transitória do quadro clínico do cão, reduzindo os níveis de parasitas. Ainda assim, consta no texto do fórum que os estudos são inconclusivos e apresentam evidência de que os animais, mesmo após submeterem-se ao tratamento, mantêm a capacidade de infectar o vetor (o mosquito palha, transmissor da doença).

Polêmica, a determinação do Ministério da Saúde de proibir o tratamento em cães normalmente é criticada com base no exemplo de outros países, onde o tratamento é permitido. “Qual a diferença, então, do Brasil para com os países do Mediterrâneo, por exemplo? São muitas as diferenças. A começar que a Leishmania de lá é diferente da daqui”, explica o secretário municipal de Saúde de Bauru, Fernando Monti.

Diferenças

No território brasileiro, o mosquito palha está presente em todos os meses do ano e pode alcançar pico populacional no período de término de chuvas. Já a Índia, por exemplo, sofre com dois períodos populacionais: de setembro a novembro e de março a abril. Na Itália, a ocorrência é bianual, influenciada por fatores climáticos, informa o relatório do Ministério da Saúde. Além do Brasil padecer com uma quantidade muito superior de mosquitos transmissores, por aqui não só existem cães infectados, como também seres humanos doentes.

De acordo com Monti, no Mediterrâneo a transmissão da Leishmania se dá, principalmente, entre usuários de drogas injetáveis. Por lá, a doença ameaça especialmente os portadores de HIV, que também correm risco no Brasil. Mas por aqui, o volume de pessoas vulneráveis é muito maior. A população de baixa renda, sem acesso a alimentação de qualidade e com saúde frágil, pode ser infectada e manifestar a leishmaniose visceral humana.

Por outro lado, quem tem saúde boa, mesmo infectado, pode jamais saber que foi contaminado porque o próprio organismo controla a proliferação do protozoário. Já os mais vulneráveis, após o penoso tratamento, podem voltar a manifestar a doença. Nenhum tratamento, seja em homem ou cão, é capaz de eliminar completamente o protozoário. No máximo, reduzir seus níveis. Por essa razão, em Bauru, a maioria das vítimas são crianças de periferia e adultos com outros problemas de saúde.

Bauru totaliza quatro casos da doença em 2010. Em 2009, o município registrou 37 casos. Desde 2003, 30 pessoas já morreram por conta da doença na cidade. Até mesmo para veterinários de Bauru que sofrem com a eutanásia canina, a decisão do proprietário de animais deve contemplar tanto a responsabilidade social quanto a sanitária.

Fórum

A Lei nº 1.426, de 2008, que proíbe o tratamento em cães e indica eutanásia aos infectados, tem sido muito contestada por profissionais liberais que atuam em estabelecimentos veterinários. A União, inclusive, tornou-se alvo de várias ações judiciais. Minas Gerais, por exemplo, moveu uma ação civil pública. Diante da situação, o Ministério da Saúde propôs a realização do fórum, que ocorreu em outubro do ano passado.

Com a presença de membros da Fiocruz, da Universidade Federal de São João Del Rey, Universidade de Brasília, Centro Pan-Americano de Febre Aftosa e Secretaria do Estado da Saúde de São Paulo, o fórum decidiu manter a proibição. No texto elaborado após o evento, consta que o cão tem sido o principal responsável pela persistência da leishmaniose em várias áreas tropicais do planeta.

“No Brasil, até o presente momento, todos os surtos descritos na literatura estão associados com a presença de cães soropositivos. Em várias regiões geográficas, a epidemia canina precedeu a humana”, afirma o texto.

Racional x emocional

Segundo o secretário municipal de Saúde, Fernando Monti, Bauru acata as determinações do Ministério da Saúde, baseadas em evidências científicas. “Não estou tirando o direito das pessoas discutirem sobre isso. Mas não discutimos no âmbito emocional ou opinativo. É científico. As pessoas que defendem que não façamos eutanásia discutem numa perspectiva emocional, que eu compreendo. Não agrada a ninguém tomar as medidas que tomamos, mas elas são preconizadas”, explica.

De acordo com ele, a nebulização extensiva também não resolveria a proliferação do mosquito palha, como não resolveu no caso do Aedes aegypti. “Além de expor as pessoas a inseticidas, seria um problema para o meio ambiente e poderia tornar o mosquito resistente ao inseticida”, diz o secretário. Com relação à coleira repelente, ele explica que a eficácia é comprovada, mas o poder público não teria como garanti-la aos 60 mil cães que vivem no município. Cada uma custa cerca de R$ 50 e teria de ser trocada pelo menos uma vez durante o ano.

Monti acredita que a polêmica em torno da questão foi provocada por uma mentira dos assessores do deputado estadual Feliciano Filho (PV), que visitaram o CCZ e elaboraram um relatório disponibilizado na Internet que levanta a suspeita de que animais sadios tenham sido sacrificados. “Não eutanasiamos animais sadios. Isso não acontece em Bauru”, garante.

Resistência às drogas

O texto elaborado ao final do fórum realizado pelo Ministério da Saúde alerta para o perigo potencial de geração e circulação de Leishmanias resistentes às drogas usualmente utilizadas para tratamento de seres humanos tais como o antimonial, o pentavalente, a anfotericina B e a miltefosine. A última delas já é utilizada por veterinários em países como Portugal, Espanha, Itália. Grécia e Ilha de Chipre.

O resultado é o surgimento, em alguns pontos, de protozoários resistentes aos tratamentos disponíveis. “O arsenal terapêutico para a leishmaniose é pequeno. São as mesmas drogas para humanos e cães. Todo uso de medicamento antiparasitário induz resistência. Se começar a induzir Leishmania resistente, as pessoas vão começar a pegar Leishmania resistente”, explica o secretário municipal de Saúde, Fernando Monti.

Fonte: Jornal da Cidade de Bauru (acessado em 20/04/10)

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