O muco produzido por escargots, quando aplicado nos tetos de vacas leiteiras, antes e depois da ordenha, apresenta uma ação antimicrobiana superior a do iodo, substância comumente usada por produtores como antisséptico. A grande vantagem do muco é sua proteção contra bactérias dos gêneros Micrococcus sp e Staphylococcus sp, principalmente, e também seu efeito hidratador sobre a pele que reveste os tetos.,/p>
A constatação é feita em pesquisa da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da Universidade de São Paulo (USP). O trabalho foi realizado no Departamento de Nutrição e Produção Animal (VNP), no campus de Pirassununga, pelo médico veterinário Eugênio Yokoya e resultou na dissertação de mestrado Controle de infecções intramamárias no gado leiteiro usando as propriedades antibacterianas e cicatrizantes do muco de escargots Achatina spp no pré e pós dippin.
De acordo com a orientadora da pesquisa, a professora Maria de Fátima Martins, cerca de 90% dos produtores usam iodo para higienizar as glândulas mamárias das vacas. O uso constante da substância desidrata a pele dos tetos, deixando-os com fissuras que podem ser vias de entrada de microrganismos causadores de doenças como a mastite, infecção que causa enormes prejuízos para a indústria leiteira.
“As mãos dos ordenhadores também sofrem com a desidratação devido ao contato com o iodo. Mas os ordenhadores dos animais em que usamos o muco relataram que suas mãos estavam hidratadas. A substância é rica em alantoína, um regenerador epitelial muito utilizado em cremes de beleza”, destaca a professora.
Biofármaco
A substância viscosa produzida naturalmente pela glândula podal (localizada nos pés) dos escargots já é conhecida na literatura científica mundial como um antimicrobiano. “No exterior, existem até xaropes a base desse muco e já foi comprovada a sua ação contra bactérias do gênero Staphylococcus sp. Uma dos achados inéditos deste nosso trabalho é a comprovação de sua ação contra os Micrococcus sp. Isso pode ajudar no uso da substância como um biofármaco”, aponta Maria de Fátima.
Apesar dos resultados positivos da pesquisa, a professora pondera que, por enquanto, o uso comercial do muco de escargots como antisséptico ainda não é viável comercialmente. Na pesquisa do VNP, o muco foi aplicado em 50 vacas, durante três meses, antes e depois das três ordenhas diárias. Mas, para isso, foi necessária a extração manual do muco de 300 moluscos a partir do estímulo na glândula podal (que fica no pé), sem necessidade de sacrificá-los. “Numa escala comercial isso se torna inviável”, aponta a professora.
Segundo ela, o tempo necessário para extração do muco depende da prática do profissional e também do escargot. “Nessa pesquisa, gastamos em média 10 a 15 minutos por molusco. Pretendemos ter alguma iniciativa no sentido de encontrar alternativas para a extração do muco, porém, sempre levando-se em consideração o bem-estar dos escargots”, comenta.
Os pesquisadores aplicaram três tipos de tratamento nas vacas: lavagem dos tetos apenas com água, uso do iodo e aplicação do muco de escargots. O gado leiteiro do estudo era proveniente de propriedades rurais do interior de São Paulo das regiões de Leme, Porto Ferreira e Ribeirão Preto.
Após a extração – sempre levando-se em consideração o bem-estar destes moluscos – o muco foi liofilizado (transformado em pó) e reidratado com solução salina para facilitar a aplicação. Os pesquisadores colheram amostras da superfície dos tetos antes e depois da aplicação do muco. Os resultados indicaram que o muco de escargots apresentou um bom controle da microbiota, sendo eficaz tanto para reduzir como para prevenir a ocorrência de bactérias locais.
Perdas econômicas
Segundo a professora, a iniciativa pode ajudar a reduzir as perdas econômicas causadas pela mastite, doença que mais causa prejuízos no setor leiteiro. Há perda de produtividade do animal e devido ao tratamento medicamentoso ocorre o descarte de leite. “Nas grandes propriedades, as perdas chegam a ser de 4.800 litros ao mês. Para o produtor, o prejuízo é de cerca de 24 dólares ao dia por vaca doente”, conta.
A professora informa que os estudos na área continuam. Uma das pesquisas, iniciada recentemente, é da médica veterinária Paula Adriane Piccolo Pieruzzi. Ela vai estudar, em seu mestrado, o uso do muco dos escargots como um possível medicamento para o tratamento intramamário da mastite bovina.
A pesquisa de Eugenio Yokoya teve apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Os escargots utilizados são do heliciário experimental do VNP/FMVZ, localizado no campus de Pirassununga, e cuja coordenação técnica é da professora Maria de Fátima Martins.
A pesquisa foi apresentada no dia 21 de maio de 2010. O trabalho contou com a participação da professora Mamie Yomaza, da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, que é a responsável pela avaliação histológica do muco de escargots.
Fonte: Portal Agrosoft (acessado em 12/07/10)