Fármacos para o tratamento de neoplasias geram resíduos considerados perigosos e precisam ser descartados corretamente para a garantia da Saúde Pública
Estamos encerrando o Outubro Rosa e iniciando o Novembro Azul, meses dedicados ao combate aos cânceres de mama e de próstata. Nesse contexto, além de falar aos tutores sobre prevenção e diagnóstico precoce em pets, o CRMV-SP tem a missão de abordar outro assunto de grande importância aos médicos-veterinários: os riscos que a manipulação inadequada de fármacos para o tratamento de neoplasias pode oferecer à saúde dos profissionais e à Saúde Pública.
Os medicamentos antineoplásicos têm potencial carcinogênico, teratogênico e mutagênico, em especial ao sistema reprodutivo. “Na prática, considera-se que apenas uma molécula desses produtos pode induzir a mutações”, afirma a presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP, Dra. Elma Pereira dos Santos Polegato.
Entre profissionais mulheres, por exemplo, há possibilidade do surgimento de problemas como alteração do ciclo menstrual, abortos e má formação congênita. E entre médicos-veterinários de ambos os gêneros, há possibilidade de infertilidade, lesões hepáticas e danos ao DNA.
“Podem aparecer ainda sintomas de intoxicação por quimioterápicos, tais como cefaléia, náuseas, vômitos, irritação da pele e mucosas, reações alérgicas e alopecia”, comenta a Dra. Elma.
Contaminação
O contágio pode ocorrer em diferentes fases da manipulação: preparo, administração e descarte do medicamento ou materiais contaminados, tanto diretamente – através da pele, membranas, mucosas e inalação –, quanto indiretamente – por meio de fluidos corporais e excretas de pacientes que receberam a medicação nas últimas 72 horas. Segundo referências do Instituto Nacional do Câncer (Inca), a toxicidade é variável para diversos tecidos e depende do fármaco utilizado.
“É indispensável cuidar criteriosamente dos pacientes, entretanto, os cuidados devem se estender ao médico-veterinário e a todos os profissionais que atuam nessa área, como auxiliares e pessoal de limpeza, bem como aos tutores dos animais em tratamento”, ressalta a presidente da Comissão Técnica de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP, a médica-veterinária Adriana Maria Vieira Lopes.
A presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP, Dra. Elma Pereira dos Santos Polegato, explica que o risco aos tutores dos pets são basicamente os mesmos que o dos profissionais, porém, em grau menor. “Considerando o acompanhamento e cuidados ao paciente após as aplicações, há riscos de contaminação pelo contato direto com o animal em tratamento, pelo ambiente em que ele circula e por meio de seus fluidos e excretas.”
Meio ambiente e saúde pública
Os riscos podem ainda se estender ao meio ambiente e, consequentemente, à Saúde Pública, em decorrência do descarte incorreto dos resíduos e matérias contaminados, que podem afetar o solo, a água e o ar.
Entre os impactos negativos, no aspecto sanitário, estão a proliferação de vetores, microrganismos patogênicos e agentes químicos. Já entre os danos ambientais, listam-se a geração de lixiviados/chorume, a produção de gases nocivos à saúde humana (como o CO2, H2S e CH4) e a contaminação do lençol freático, comprometendo a qualidade da água. Conseqüentemente surgem danos econômicos e sociais.
Lacunas
Apesar da seriedade do assunto, de acordo com o médico-veterinário Rodrigo Ubukata, especialista em oncologia e integrante do Grupo de Trabalho de Quimioterapia Veterinária do CRMV-SP, um grande problema é que na Medicina Veterinária brasileira as normas de segurança para o uso desses fármacos são “completamente ignoradas e, muitas vezes, desconhecidas pelos profissionais”. “Nas universidades o assunto era negligenciado até pouco tempo atrás”, diz.
A presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP concorda que há uma lacuna no ensino. “Muito precisa ser feito e mudado, em especial quanto ao aprendizado profissional específico para esse tipo de tratamento, que tem sido negligenciado e conduzido sem considerar a biossegurança”, frisa a Dra. Elma Pereira dos Santos Polegato.
Normas para descarte de resíduos
O médico-veterinário Rodrigo Ubukata, especialista em oncologia e integrante do Grupo de Trabalho de Quimioterapia Veterinária do CRMV-SP, ressalta que a legislação brasileira é clara quanto ao descarte de quimioterápicos.
“Esses produtos e tudo aquilo que teve contato durante as fases de manipulação e administração são considerados Resíduos dos Sistemas de Saúde – Grupo B (químicos), ou seja, o lixo de cor laranja. O surpreendente é que a maioria dos profissionais e dos estabelecimentos médicos-veterinários desconhecem a regra e, muitas vezes, possuem apenas o registro para descarte de resíduos do grupo A (infectantes), ou seja, o lixo branco”, diz o Ubukata.
Para o especialista, é necessário que estabelecimentos de saúde animal tenham um plano de gerenciamento de descarte de resíduos hospitalares e de prevenção de risco ambiental, conhecido como Programa de Prevenção de Risco Ambiental (PPRA), para o qual a RDC 33 da Anvisa, de 2003, estabelece normas.
Diante da lacuna nas instituições de ensino e no âmbito de auxiliar o médico-veterinário com as orientações necessárias, a Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP produziu um material informativo sobre os grupos de descarte de resíduos estabelecidos pela Anvisa, que segue disponível aos profissionais na sede do Conselho. Atualmente a Comissão prepara outro material, dessa vez com o objetivo de informar também os tutores dos animais em tratamento quimioterápico.
Resolução da Medicina humana traz parâmetros à veterinária
A Resolução RDC nº 220, de 21 de setembro de 2004 traz o Regulamento Técnico de funcionamento dos Serviços de Terapia Antineoplásica, que define, para a Medicina humana, atribuições, condições de funcionamento, infraestrutura, transporte, acondicionamento, manipulação e utilização desse tipo de fármacos, bem como descarte de resíduos, boas práticas e uso de equipamentos de proteção coletiva e individual.
A presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP, Dra. Elma Pereira dos Santos Polegato, afirma que os parâmetros de biossegurança da RDC nº 220/2004 para a Medicina norteiam profissionais da Medicina Veterinária. “Porém, não podem ser utilizados como exigência para estabelecimentos prestadores de serviços de saúde animal para o tratamento antineoplásico em animais, pois nessa legislação constam apenas o médico e o odontólogo como profissionais que devem cumpri-la”, comenta a Dra. Elma.
Ela argumenta que nas fiscalizações da Vigilância Sanitária a resolução é utilizada como um importante documento de orientação aos médicos-veterinários, no entanto, sem força jurídica. “Portanto, fragiliza a fiscalização e obrigatoriedade de atendimento das normas, conferindo assim um grande problema, por enquanto sem solução.”
Prevenção na prática
Existem várias recomendações para aumentar a biossegurança na manipulação de quimioterápicos e reduzir os impactos na saúde humana, animal e ambiental, atendendo assim aos pilares do conceito de Saúde Única.
Saiba quais são as práticas para o tratamento de animais com antineoplásicos:
– Uso de EPIs;
– Uso de cabine biológica Classe II B2;
– Manutenção periódica e corretiva na cabine biológica;
– Área de preparo isolada e com acesso restrito;
– Atividade desempenhada exclusivamente por médicos-veterinários, nunca por auxiliares/técnicos;
– orientação aos tutores dos animais em tratamento, tais como: uso de luvas para tratar o animal nas primeiras 48 horas após a aplicação de cada dose, bem como cuidados no momento da limpeza de fezes e urina do paciente (lembrando o tutor, ainda, que não é indicado o uso de tapetes higiênicos nesse período e que tecidos contaminados com fluidos e excretas devem ser encaminhados para lavanderias especializadas, com indicação de contaminação por lixo químico), além de manter outros animais da residência separados do paciente, pelo menos nas primeiras 48 horas após a aplicação de cada dose;
– Não permitir que gestantes manipulem, preparem ou apliquem medicamentos antineoplásicos. Elas devem evitar ainda a manipulação de fluidos, excretas e até ter o contato direto com animais em tratamento, especialmente nas primeiras 48 horas após a aplicação da dose medicamentosa;
– Descartar resíduos dos fármacos e tudo o que teve contato durante as fases de manipulação e administração das substâncias em sacos de lixo de cor laranja, uma vez que são Resíduos dos Sistemas de Saúde – Grupo B (químicos).
Texto: Assessoria de Comunicação do CRMV-SP.