O fluxo sanitário, apesar de não possuir uma definição oficial, pode ser entendido como um conjunto de medidas para prevenir disseminação de doenças infecciosas e manter o ambiente seguro e limpo. Em outras palavras, é a organização de fluxos de trabalho respeitando as condições sanitárias para a realização de uma tarefa, como a prática do ato cirúrgico. A sua aplicação de forma adequada promove segurança, saúde e bem-estar, reduzindo o risco de contaminações.
Ainda motivo de dúvida por parte de alguns proprietários e profissionais, o tema também é abordado no manual “Estruturação de Estabelecimentos Médico-veterinários” do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo, elaborado para auxiliar os responsáveis técnicos e proprietários de estabelecimentos veterinários na estruturação de serviços clínicos em conformidade com a Resolução CFMV nº 1.275/2019.
A gestão correta do fluxo sanitário possibilita a prevenção de doenças, o controle de infecções, o bem-estar dos animais, a melhoria da imagem profissional e a conformidade com regulamentações vigentes, entre outros aspectos. Na prática, é preciso observar especialmente o fluxo de pessoas (médicos-veterinários cirurgiões, anestesistas e demais profissionais), de equipamentos (como instrumentos cirúrgicos) e de pacientes (animais) dentro do hospital, da clínica ou do consultório veterinário.
“É essencial que o fluxo sanitário seja respeitado para uma prática veterinária responsável e ética”, lembra Rosemary Viola Bosch, tesoureira e presidente da Comissão de Responsabilidade Técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).
Riscos
O setor cirúrgico, que inclui salas de antissepsia e paramentação, de lavagem e esterilização de materiais, de preparo, de cirurgia e de recuperação de pacientes, é uma área de risco crítico, ou seja, em que há a maior possibilidade de contaminação e transmissão de infecções. O consultório e o setor de internação (exceto se for setor de internação de paciente com doença infecto-contagiosa) são considerados setores semi-críticos.
“Nesse tipo de ambiente, podem estar presentes riscos físicos (como pelo de animal e sujidades do meio externo), riscos biológicos (como vírus, bactérias e fungos) ou até riscos químicos (como produtos químicos)”, afirma Anne Pierre Helzel, coordenadora técnica médica-veterinária do CRMV-SP. A fim de minimizá-los, deve-se fazer a limpeza (remoção de sujidades), desinfecção (eliminação de microorganismos, exceto esporulados) e esterilização (destruição de todos os microorganismos).
Fluxo de pessoas e pacientes
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Considerando uma cirurgia, na sala ou em ambiente de preparo, efetuam-se procedimentos pré-cirurgia no animal: o paciente deve ser submetido a indução anestésica, tricotomizado (procedimento de remoção de pelo da área a ser operada com o objetivo de reduzir as chances de infecção pós-operatória) e aprontado. Esses procedimentos não devem ser realizados na sala de cirurgia.
Na sequência, o animal deve ser encaminhado por um colaborador para a sala de cirurgia por uma porta própria, diferente daquela destinada a entrada da equipe cirúrgica, e posicionado na mesa, onde será realizada a anestesia e antissepsia do campo cirúrgico. Posteriormente, o paciente será coberto com pano de campo estéril e de uso único.
A sala de antissepsia e paramentação deve servir de antecâmara de acesso exclusivo da equipe à sala cirúrgica, como referido no Decreto Estadual nº 40.400/1995. Nesse espaço, a equipe cirúrgica e os profissionais com acesso a sala de cirurgia se preparam (vestem o uniforme cirúrgico – scrub), colocam touca e máscara, vestem propé, fazem a desinquinação (em pia com dispositivo acionável sem precisar usar as mãos) e entram diretamente na sala de cirurgia (passando pela porta sem contato manual). A vestimenta de aventais de manga longa e luvas cirúrgicas, ambos os itens estéreis, deve ser realizada preferencialmente na sala cirúrgica.
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Preparo e descarte de materiais
Os materiais a serem utilizados no procedimento cirúrgico (como instrumentais cirúrgicos, compressas, gazes, panos de campo, fios de sutura, dentre outros, devendo todos estarem estéreis ) devem ser anteriormente preparados e dispostos em mesa auxiliar, forrada por pano de campo estéril, na sala cirúrgica.
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Após a cirurgia, o descarte de material contaminado biologicamente, perfurocortante e peças anatômicas, deve ser realizado de acordo com a classificação e grau de risco do resíduo gerado, conforme o Plano de Gerenciamento de Resíduos do Serviço de Saúde (PGRSS), explica Anne. O animal é levado (normalmente por um colaborador) para a sala de recuperação de pacientes.
Fluxo de instrumentos
Depois de cada atendimento ou de uma cirurgia, os instrumentos usados devem ser levados para a sala de lavagem e esterilização (ou uma sala de sustentação), preferencialmente por um óculo ou dispositivo passa-bandejas de comunicação entre a sala de cirurgia e a sala de lavagem e esterilização. Isso porque o procedimento de limpeza, desinfecção ou esterilização de materiais deve ser centralizado em um local especial.
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Nessa sala, o material é levado para a área suja (ou seja, área com potencial de contaminação) para ser lavada. Depois, os instrumentos ficam secando na área limpa. “É importante destacar que as áreas limpa e suja da sala de lavagem e esterilização devem ser separadas por uma barreira física, geralmente uma divisória feita de material impermeável e resistente a lavagem com desinfetante e antisséptico”, afirma a coordenadora técnica do CRMV-SP.
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Da área suja, o material segue para a área limpa, onde é embalado em papel de grau cirúrgico com indicação de área esterilizada e data de validade do procedimento. Em seguida, ele é submetido à esterilização úmida sob pressão em autoclave e guardado em armário próprio.
Terceirização
A sala de lavagem e esterilização de materiais pode ser suprimida quando o estabelecimento terceirizar esse serviço e comprovar a situação com a apresentação de contrato/convênio com empresa prestadora dos serviços. Neste caso, é necessária a realização de pré-lavagem para remover sujidades antes de seu encaminhamento para o prestador, após isso, o material é embalado e guardado para ser encaminhado para a empresa que vai fazer esse serviço.
“É fundamental respeitar os fluxos de área limpa e suja, crítica e não crítica dentro dos estabelecimentos de saúde animal a fim de evitar contaminação cruzada e assim diminuir o risco de infecções hospitalares, infecções cirúrgicas, e a transmissão de doenças infectocontagiosas”, afirma Alessandra Fonseca, assessora técnica médica-veterinária do CRMV-SP.