“Formação profissional é um dos desafios para atuação do médico-veterinário no NASF”, diz Adolorata Carvalho

Graduada em Medicina Veterinária e doutora em Ciências Biológicas, Adolarata fala sobre formação holística como estratégia para melhorar indicadores de saúde e do real papel do profissional nas ações do NASF

O Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) surgiu como proposta para melhorar as práticas em saúde. Entretanto, desde a sua criação, em 2008, muitos desafios surgiram, configurando problemáticas que necessitam de adequações. Para a médica-veterinária Adolorata Aparecida Bianco Carvalho, doutora em Ciências Biológicas e membro efetivo da Comissão de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP, existe uma grande preocupação em capacitar profissionais e muni-los de conhecimento teórico e prático para atuarem neste segmento. “Apesar das diretrizes curriculares dos cursos de Medicina Veterinária no Brasil preverem disciplinas que garantam a competência para a atuação em Saúde Pública, diversas pesquisas evidenciam que apenas 10% dos conteúdos são dedicados à área de Medicina Veterinária Preventiva”, enfatiza.

Além dos conhecimentos exigidos em saúde pública e epidemiologia, o profissional que deseja atuar no NASF precisa gostar de trabalhar com a comunidade e deve estar aberto a novos desafios e perspectivas além da clínica. “É um grande desafio definir as atividades do médico-veterinário no NASF, assim como de outros profissionais de saúde. É uma relação que está sendo construída à medida que profissionais e gestores tomam consciência da real proposta do NASF”, explica a médica-veterinária.

Docente da Universidade Estadual Paulista (Unesp) desde a década de 90, atualmente, Adolorata é coordenadora do Programa de Residência Profissional em Saúde da Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinária (FCAV) da Instituição, Campus Jaboticabal. Já atuou na Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo e foi tutora e bolsista do Programa de Educação Tutorial (PET) do Curso de Medicina Veterinária da Unesp, grupo que desenvolveu projetos que atendiam demandas de políticas públicas (sociais e de saúde) para as comunidades urbanas e rurais da região. Nesta entrevista, fala sobre o papel do médico-veterinário nas ações do NASF e como sua atuação pode ser fortalecida. Confira:

Há cinco anos, médicos-veterinários passaram a integrar o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). Segundo dados do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), há 114 médicos-veterinários atuando no NASF, em 19 municípios diferentes. Fale sobre a importância da participação deste profissional nas equipes multidisciplinares do NASF.

O NASF foi proposto para permitir a discussão e a análise de casos e situações que não puderam ser completamente resolvidas pelas equipes de Estratégia Saúde da Família (ESF) nos territórios. Várias ações conjuntas entre os profissionais da ESF e da equipe do NASF permitem ampliar e melhorar o alcance das ações oferecidas aos usuários dentro da Atenção Básica. O médico-veterinário é peça chave no controle de doenças relacionadas a fatores que permeiam a vida dos seres humanos e dos animais com o ambiente. Por isso, ao se aproximar das pessoas e dos domicílios nos quais elas se inserem, o profissional poderá conhecer melhor a realidade e será capaz de desenvolver ações estratégicas multiprofissionais que auxiliarão no aumento da capacidade de análise e de intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, tanto em termos clínicos, quanto sanitários e ambientais.

Qual é o papel do médico-veterinário nas ações do NASF?

O papel do médico-veterinário no NASF é o de apoiador, consultor e assessor. Sua responsabilidade não é atender demandas ambulatoriais. Ele deve compartilhar o seu saber específico com os demais profissionais da equipe. O Núcleo deve ter um esquema de organização do cuidado em saúde a partir da integração e cooperação entre as equipes de ESF responsáveis por determinado território, a fim de fornecer o apoio necessário para a resolução de problemas. O médico-veterinário no NASF deve ter capacidade de realizar diagnóstico de situação e avaliar fatores de risco à saúde relativos à interação entre humanos, animais e meio ambiente; ter como atividade de base a educação em saúde com foco na promoção da saúde e na prevenção e controle de doenças, em especial as zoonoses, e de demais riscos ambientais na área de abrangência; deve orientar o manejo de resíduos e estar apto para identificar e instruir quanto a riscos de contaminação por substâncias tóxicas; orientar sobre as doenças veiculadas por alimentos; estar apto a responder às emergências de saúde animal e saúde pública e eventos de potencial risco sanitário, tanto na esfera local como estadual ou nacional, de forma articulada com os setores responsáveis; participar da discussão de casos clínicos complexos que exijam abordagens multidisciplinares e da elaboração e execução de projetos terapêuticos singulares. É um grande desafio definir as atividades do médico-veterinário no NASF, assim como o é para outros profissionais de saúde. É uma relação que está sendo construída à medida que profissionais e gestores tomam consciência da real proposta do NASF.

As demais profissões, como Nutrição, Enfermagem, Educação Física, Fisioterapia, entre outras, estão aceitando a participação do médico-veterinário nas ações do NASF?

Se o médico-veterinário for introduzido na equipe sem um contato prévio e planejamento, será difícil os demais profissionais da saúde o aceitarem, exatamente porque desconhecem a amplitude da atuação da Medicina Veterinária na Saúde Pública. A partir do momento em que começar a participar das ações em conjunto e das discussões nas equipes multiprofissionais, contribuindo efetivamente com a troca de saberes e com a resolução de problemas que se apresentam na interface saúde humana, animal e ambiental, ele não apenas será completamente aceito, mas passará também a ser considerado essencial. Nossa experiência de trabalho com as equipes de ESF têm demonstrado essa aceitação e o reconhecimento da importância da participação do médico-veterinário na Atenção Básica em Saúde.

Como a senhora vê a participação do médico-veterinário nas atividades do NASF hoje e quais as perspectivas para o futuro?

O número de médicos-veterinários atuando no NASF no Brasil ainda é muito pequeno. Penso que, assim como todos os outros profissionais de saúde, os médicos-veterinários ainda estão conhecendo e aprendendo a trabalhar no NASF. É uma proposta nova, que requer capacitação para atuar em equipes multidisciplinares e exige uma compreensão plena de que o objetivo é ampliar as resoluções da Atenção Básica a partir do aprofundamento de discussões, mas sem ser uma extensão do ambulatório. O que se tem observado é que muitos gestores implementam equipes de NASF na expectativa de ampliar seu quadro de profissionais para atender a demanda ambulatorial. Isso está errado. Penso que existem boas perspectivas para o futuro. A classe médico-veterinária precisa se unir e se fortalecer, mas também articular-se politicamente, pois embora a profissão esteja incluída no NASF, a sua participação não está garantida.

Os conhecimentos adquiridos durante a graduação são suficientes para atuar em saúde pública? Quais outras formações são importantes ao médico-veterinário que deseja ingressar neste segmento?

As diretrizes curriculares nacionais para o curso de Medicina Veterinária no Brasil prevêem disciplinas e conteúdos que garantam a competência para a atuação do médico- veterinário nas diferentes áreas. Porém, é difícil estabelecer em que nível as determinações são atendidas pelas inúmeras faculdades neste País, principalmente no que se refere à Saúde Pública. Resultados de pesquisas que analisam estruturas curriculares de cursos de graduação em Medicina veterinária evidenciam que apenas cerca de 10% dos conteúdos são dedicados à área da Medicina Veterinária Preventiva e Saúde Pública. Assim, pode-se afirmar que os conhecimentos adquiridos na graduação são insuficientes para que o médico-veterinário atue com segurança nessa área. Uma atenção maior tem que ser dispensada aos currículos nas faculdades para que sejam incluídas disciplinas ou conteúdos que contemplem a formação também para essas áreas. Para os profissionais que desejam entrar neste segmento recomendo que estudem, dominem o conhecimento técnico inerente à sua profissão e também se informem sobre o Sistema Único de Saúde (SUS). Busquem cursos de especialização ou capacitação. Atualmente, há uma oferta muito grande em várias escolas, além da possibilidade da residência multiprofissional ou em área profissional de saúde do MEC/SUS.

O que pode ser feito para que a atuação do médico-veterinário no NASF seja fortalecida?

Apesar de o médico-veterinário atuar na Saúde Pública há bastante tempo, a sociedade brasileira ainda desconhece as várias possibilidades deste trabalho. Não apenas a sociedade, mas outros profissionais de saúde e os próprios médicos-veterinários desconhecem essa amplitude. A inclusão da Medicina Veterinária no rol de profissões que podem compor o NASF foi uma conquista importante, mas também representa grandes desafios. O primeiro deles é a formação profissional. É importante incrementar os currículos com conteúdos de Saúde Pública, mas existe uma necessidade urgente de capacitar médicos-veterinários já formados para começarem a atuar no NASF. Também deve ser incentivada a prática da responsabilidade pública compartilhada entre as faculdades de Medicina Veterinária e as Prefeituras dos municípios onde estas estão inseridas. Outro grande desafio é buscar espaços para divulgar sobre a importância da nossa profissão e de sua inserção no NASF, o que pode ser feito por meio de divulgação nas mídias, articulação política dos nossos órgãos de classe com os gestores municipais, envolvimento de médicos-veterinários nas representações populares do SUS, como os Conselhos Municipais de Saúde e as Conferências de Saúde, além da iniciativa dos próprios veterinários se aproximarem das equipes de NASF ou Estratégias Saúde da Família dos seus municípios. É essencial que em todas essas circunstâncias fique evidente a atuação do médico-veterinário na concepção Saúde Única, uma vez que a saúde animal, a saúde ambiental e a saúde das pessoas estão interelacionadas e não podem ser tratadas de forma isolada.

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