Animais que há milhões de anos exercem hábitos diurnos estão trocando o dia pela noite. Sejam grandes ou pequenos, de floresta ou de savana, predadores ou presas, em todo o planeta, as espécies estão transferindo a maior parte da sua atividade para o horário noturno.
Um amplo estudo aponta a expansiva presença humana como a causa de dessas mudanças que podem transtornar a dinâmica de ecossistemas inteiros. O impacto do homem sobre a vida selvagem tem muitas arestas. A mais evidente é a redução do espaço disponível para os animais à medida em que a espécie humana foi se expandindo pelo globo.
Além disso, esses espaços naturais são cada vez mais reduzidos e sua qualidade se reduz a cada nova infraestrutura que os cerca. Uma das consequências de tudo isto é que os animais se movem cada vez menos nas zonas com presença humana e se refugiam em áreas cada vez mais diminutas. Mas há outra forma de se esconder das pessoas: só sair quando elas dormem.
Um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos comprovou o caráter global dessa translação da vida animal para os horários em que o grande predador diurno descansa. Reunindo os resultados de dezenas de estudos sobre os movimentos de 60 espécies de mamíferos nos cinco continentes, os cientistas comprovaram que onde há uma perturbação humana os mamíferos têm 1,36 vez mais atividade noturna, em média.
Ajuste geral
Kaitlyn Gaynor, da Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA), a principal autora do estudo, ressalta que “há indícios de que animais de todas as partes estão ajustando seus padrões de atividade diária para evitar os humanos no tempo, já que é cada vez mais difícil para eles nos evitar no espaço. Como as pessoas são mais ativas durante o dia, os animais estão passando para a noite.”
Essa mudança se produz seja no caso de herbívoros ou grandes carnívoros, como o tigre. O padrão se repete tanto nos mamíferos menores, como o saruê, como em alguns que chegam a pesar mais de 3,5 toneladas, como o elefante africano.
Ameaça
Intrigante é que os animais estão se tornando mais noturnos, independentemente, do nível de perigo que os humanos representam. “Esperávamos encontrar aumento da atividade noturna, mas nos surpreendeu a consistência dos resultados. Os animais respondem a todos os tipos de perturbação humana, sem importar se realmente representam uma ameaça direta”, acrescenta Kaitlyn.
O trabalho se baseia em dezenas de estudos que usaram diversas técnicas de rastreamento dos movimentos dos animais (balizas, colares com emissores de rádio, GPS, armadilhas fotográficas e observação direta) diante de um leque de presenças humanas, de excursionistas a caçadores, passando por campos de cultivo e estradas.
O maior predador
As consequências dessa mudança de tantas espécies para a noite ainda são incertas. Em princípio, pareceria que deixar o dia para os humanos facilitaria a coexistência deles com os animais. Mas uma mudança tão generalizada e rápida de padrões de atividade moldados durante milênios pode alterar todo um ecossistema.
Para a pesquisadora Ana Benítez, da Universidade Radboud, de Nijmegen, nos Países Baixos, o mais relevante desta pesquisa é que ela confirma uma hipótese exposta nos anos 1960 pelo biólogo Fritz R. Walther: “Os animais respondem igualmente perante os humanos, sempre nos veem como predadores”, enfatiza.
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(Kaitlyn Gaynor)