Neste ano, os índices de incêndios na Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica aumentaram significativamente, colocando em alto risco a biodiversidade. Na luta pela conservação, médicos-veterinários voluntários se dedicam a resgatar animais sobreviventes, mesmo em situações caóticas. Para estes profissionais, cada vida importa.
“Salvar alguns em meio a um grande desastre pode fazer toda a diferença”, frisa a médica-veterinária Luciana Guimarães Santana, integrante do Grupo de Resgate de Animais em Desastres (Grad), que participou de resgates no Pantanal. “É desesperador ver o fogo avançando em regiões em que ainda há água e os animais sendo encurralados.”
Luciana comenta sobre ocasiões em que os animais simplesmente se entregaram quando encontrados, a exemplo de um filhote de macaco prego, que já estava com uma pata comprometida pelas queimaduras. “Ele mal resistiu à captura e, no carro, dormiu facilmente no meu colo, enquanto recebia medicação”, contou a profissional, emocionada.
Entre os entraves enfrentados, o médico-veterinário Pedro Nacib Jorge-Neto, que faz parte o Reproduction 4 Conservation (Reprocon) e também esteve no Pantanal, menciona dificuldade de acesso e de comunicação, o desgaste pelas altas temperaturas e burocracias para a locomoção de animais. “São irrisórios os recursos de força pública para a dimensão do problema. O sentimento é de frustração.”
Animais resgatados em tratamento
Dentre as dezenas de animais resgatados no Pantanal estão duas onças, que estão no Instituto No Extinction (NEX), em Goiás. Uma delas, a Amanaci, virou notícia internacionalmente, pela gravidade das queimaduras nas patas. “Eram feridas chocantes, com exposição óssea”, disse o médico-veterinário Thiago Luczinski, responsável técnico pelo NEX.
Amanaci está em tratamento com células tronco e apresenta melhora considerável. “Este tratamento acelera a reconstrução dos tecidos. Embora ainda sejam graves, as feridas já têm um aspecto bem melhor”, conta Luczinski, sobre a onça que, após a recuperação, terá seu local de destino decidido por órgãos oficiais.
Perdas sem precedentes
Caio Filipe da Motta Lima, membro da Comissão Técnica de Médicos-veterinários de Animais Selvagens do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), enfatiza que “parte da vegetação apresentará resiliência em alguns meses, outra parcela não voltará à mesma diversidade. O impacto é a ausência de alimentos e abrigo às espécies.”
Presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental do CRMV-SP, Elma Polegato diz que “a perda é imensurável, com comprometimento genético de muitas espécies que podem ser dizimadas”. Isso porque o fogo avança e afeta, inclusive, corredores ecológicos que ligam os biomas Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. “Os animais ficam sem saída”, enfatiza Elma.

Estruturação de ações é urgente
Elma e Lima falam da necessidade de ações preventivas e de recuperação mais enfáticas. “É preciso quebrar a barreira de impasses políticos e investir, efetivamente, em medidas de preservação, com valorização da ciência e equilíbrio de valores e culturas humanas em relação à conservação”, frisa Lima. Segundo Elma, a contínua perda de biodiversidade e a degradação de ecossistemas reduzem a oferta de serviços de apoio à vida, o que, em muitos casos, leva à consequências negativas sobre a saúde e o bem-estar de humanos e animais. “Até o risco de doenças infecciosas é um reflexo deste cenário.”

Números demonstram a gravidade da situação:
– De acordo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o fogo já destruiu mais de 3 milhões de hectares do Pantanal, o que equivale a 23% do bioma;
– A Amazônia teve 7,6 mil focos apenas em agosto, o maior registro para a época desde 1998, conforme dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe);
– Em áreas verdes de São Paulo, remanescentes da Mata Atlântica, as ocorrências de fogo cresceram em mais de 100% neste ano – até o mês de setembro –, em comparação com os registros do mesmo período do ano passado, segundo registros do Inpe.