A vida é um desafio contínuo e, muitas vezes, apresenta caminhos bastante acidentados. Felizmente, temos, no Brasil, inúmeros exemplos de homens e mulheres que não se conformaram com a realidade, com as trilhas que lhes foram impostas. São pessoas que arregaçaram as mangas e derrubaram barreiras aparentemente intransponíveis, que fizeram questão de mudar os rumos do país. Uma delas considero especialmente marcante e inesquecível: Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Diante da estagnação industrial e econômica da década de 1950 e de um cenário político hostil, JK optou por ousar, e ousou ao anunciar seu programa de governo – “50 anos de progresso em 5 anos de realizações”. É claro que não faltaram empecilhos e inúmeros foram os pessimistas que duvidaram do alcance de suas pretensões. A descrença e as dúvidas, entretanto, não abalaram a determinação deste grande líder nacional e a contribuição dele ao país é incontestável.
O Brasil do século XXI é outro, mas ainda precisa melhorar em muitos aspectos. Os desafios ainda existem e permeiam todas as profissões. Como médico, JK também sabia das necessidades e demandas do País em relação à Saúde Pública. Determinadas situações não mudaram e são, até hoje, uma afronta ao bem-estar da população. Recentemente, a imprensa publicou uma reportagem que parecia atribuir aos médicos veterinários a responsabilidade pela comercialização de carnes bovinas impróprias à população sob o ponto de vista higiênico e sanitário.
O problema abordado é antigo. A precariedade e as péssimas condições de alguns matadouros e frigoríficos não são mazelas apenas dos municípios mostrados pela imprensa há alguns dias. Em todos os estados brasileiros existem exemplos parecidos. O que a reportagem não abordou, no entanto, é que, na maioria dos casos, os médicos veterinários tentam fazer bem o trabalho que lhes compete. São incontáveis os relatos de inspetores ameaçados direta ou veladamente e que precisam, diariamente, driblar ou derrubar as barreiras do caminho para o cumprimento do seu dever profissional. Também são inúmeros os casos de interferência de profissionais de outras áreas que acabam contribuindo para a perpetuação de uma situação vergonhosa que deixa vulnerável a saúde da população e o bem-estar dos animais.
Em Goiás, um dos abatedouros citados na reportagem do programa Fantástico (TV Globo) havia sido lacrado pela Agência de Defesa do Estado de Goiás por não ter condições higiênico-sanitárias. Contudo, por mecanismos que desconhecemos, o proprietário conseguira um alvará da prefeitura e com tal documento ingressou na Justiça do Estado de Goiás daquele município. Qual foi a decisão do Senhor Juiz? Simplesmente concedeu uma liminar autorizando a reabertura e o funcionamento do estabelecimento. Quem colocou a população em risco? Com certeza não foi o médico veterinário que fechou o abatedouro. Onde está o discernimento deste homem da lei? E a responsabilidade dele, que colocou em risco a segurança e a saúde da população abastecida por tal estabelecimento?
A inspeção em abatedouros e frigoríficos é competência do médico veterinário, ele é o profissional habilitado para esse trabalho porque é o único capaz de avaliar as condições do animal no pré e pós-abate, assim como as condições físicas para que o procedimento seja realizado.
Também na reportagem da TV Globo, uma fonte identificada como Sílvio Fauda, médico veterinário do município de Rolante (RS), é, na verdade, um servidor público municipal chamado Flávio Fauda. O Conselho Regional do Rio Grande do Sul apurou que essa pessoa exerce o cargo de fiscal sanitário nível médio e não tem formação em Medicina Veterinária. Aproveito para registrar que para atuar como inspetor higiênico-sanitário, falta a ele a competência legal, técnica, científica e ética. Em relação ao município gaúcho de Lavras do Sul, o estabelecimento denunciado na reportagem já havia sido fiscalizado pelo CRMV-RS e notificado por não ter um médico veterinário como responsável técnico. Tal fato não foi citado em momento algum no trabalho jornalístico.
Não podemos jamais abandonar o distanciamento crítico, fundamental para a análise das circunstâncias que nos deparamos no dia a dia. Não podemos admitir que se façam conclusões apressadas e saiam jogando pedras em todos. Ter discernimento em uma era na qual as informações, sejam elas corretas ou não, alcançam um número enorme de leitores, telespectadores e internautas em questão de minutos, é um grande desafio. Porém, talvez o maior desafio do Brasil pós-JK seja formar juízes com consciência e entendimento do que julgam; jornalistas comprometidos a ouvir todos os lados de cada história publicada; e médicos veterinários cada vez mais comprometidos com a saúde humana e dos animais.
Fonte: Portal do CFMV (acessado em 15/04/2013).