Perspectivas e desafios na área de inspeção alimentar

Ao iniciar um estágio em uma grande empresa de carnes durante a graduação em Medicina Veterinária, Ricardo Moreira Calil dava seu primeiro passo rumo a uma trajetória profissional de sucesso na área de inspeção de alimentos de origem animal. “A oportunidade surgiu e eu me dediquei intensamente. Naquela ocasião, pude conhecer os diferentes setores de produção de uma grande organização exportadora. Eu era um jovem cheio de energia, que queria muito melhorar a produção de alimentos no país”, contou.

Após graduar-se, Calil chegou a atuar em uma clínica de pequenos animais, contudo, a paixão pela saúde pública falou mais alto. Em 1970, o médico-veterinário foi contratado para atuar como inspetor de produtos de origem animal no Sistema de Inspeção Federal (SIF), vinculado ao Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA) do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), como recibado. Em 72, ingressou em uma autarquia pública ligada ao MAPA para ficar à disposição do SIF. Quatro anos depois, entrou para o quadro de funcionários permanentes por meio de concurso público, no qual se encontra até os dias de hoje, no cargo de Auditor Fiscal Federal Agropecuário. Durante este período, atuou em diferentes projetos, tendo um deles lhe marcado profundamente. “Trabalhei na chamada ‘federalização’, momento histórico para a área de inspeção e saúde pública no Brasil que tive a honra de participar. Fomos responsáveis por elaborar relatórios, avaliar projetos de construção e reformas de indústrias e empresas de diferentes portes que tiveram que se enquadrar nas normas do Ministério”, lembrou.

Formado pela Universidade de São Paulo (USP), mestre e doutor em Saúde Pública pela mesma instituição, Calil é professor dos cursos de graduação em Medicina Veterinária e pós-graduação em Saúde Ambiental da Faculdade Metropolitanas Unidas (FMU). Foi responsável pela implantação das disciplinas de tecnologia dos produtos de origem animal e de higiene e inspeção em diversas universidades do Estado de São Paulo. Na academia, além das aulas, também publicou artigos, pesquisas e livros sobre o assunto.

Em entrevista ao Informativo CRMV-SP, o médico-veterinário faz um panorama sobre o mercado de trabalho e ressalta a necessidade das instituições de ensino superior desenvolverem iniciativas que despertem o interesse dos estudantes para a área. Confira:

Comente sobre as possibilidades de carreiras pouco conhecidas pelos estudantes nas áreas de inspeção e higiene alimentar.

A atuação do médico-veterinário na inspeção de alimentos aumentou nos últimos anos, porém, existe um grande espaço não preenchido que vem sendo ocupado por outros profissionais, nem sempre com a formação acadêmica apropriada para a função. Os futuros veterinários precisam se acostumar a disputar vagas, a competir com outras profissões e entender que reservas de mercado por legislação nem sempre garantem vagas exclusivas, como acontece na clínica ou em outras atribuições da Medicina Veterinária sem concorrência externa. Há oportunidades como responsáveis técnicos, consultores, auditores e fiscais.

Quais são as oportunidades de atuação em órgãos públicos?

Atualmente, em nível federal, os concursos estão suspensos. As vagas somente serão abertas em casos de urgência em função das prioridades da administração pública. Porém, os profissionais devem ficar atentos quanto às oportunidades em nível estadual e municipal para atuação na vigilância sanitária. A média salarial varia por região e flutua entre R$ 3 a R$ 5 mil, dependendo do tipo de função e carga horária semanal, além dos benefícios.

Com a expansão do agronegócio, o segmento desponta como um dos mercados de trabalho mais abrangentes do Brasil. De que forma a atuação do médico-veterinário contribui para o crescimento e valorização das exportações de carnes brasileiras?

O investimento da iniciativa privada, aliado ao trabalho técnico dos médicos-veterinários, desde a produção primária até a evolução industrial por meio de fábricas modernas e alinhadas com as exigências do mercado internacional, transformou o país no verdadeiro celeiro do mundo, sonho acalentado no passado por aqueles que enxergaram no Brasil uma nação de vocação agrícola. Os mais de 100 anos do Serviço de Inspeção Federal (SIF) servem de lastro de garantia da qualidade e segurança dos alimentos, produzidos e comercializados com mais de 180 países do mundo. O que o Brasil precisa, efetivamente, é abrir o mercado de exportação para os produtos do agronegócio e negociar por meio de acordos comerciais, pois, se existe alguma restrição ao produto nacional, ela está ligada a questões políticas e não sanitárias ou de caráter técnico.

Quais os desafios que o profissional encontrará neste segmento?

Como em toda atividade laboral, a qualificação contínua e a capacidade de resolver problemas são pontos chave para o profissional que ingressa no mercado formal e busca remuneração compatível com seu nível de especialização e conhecimento.

Os cursos de graduação capacitam adequadamente os estudantes para atuarem nessas áreas? O que poderia ser modificado para aprimorar a formação?

A formação profissional no Brasil perde qualidade com a criação de cursos de forma indiscriminada. Muitos professores não estão preparados, a carga horária dos cursos está sendo diminuída e os alunos apresentam fraca preparação acadêmica. As faculdades, de um modo geral, concentram seu foco na área de pequenos animais e estimulam o encaminhamento dos novos profissionais para essa atividade. Para se ter uma idéia, em uma carga horária total de quatro mil horas, apenas 80 a 160 horas são reservadas para inspeção e higiene alimentar. Muitas vezes, essas disciplinas são oferecidas no final do curso e por professores não atuantes na área. No passado, cobrava-se do docente uma formação direcionada na disciplina que pretendia lecionar. Hoje, isso não acontece, o que dificulta a criação de propostas de programas ou mesmo a adoção de um conteúdo para a prática, com o olhar direcionado ao mercado. Vive-se um momento de empobrecimento acadêmico profundo. Além da diminuição da carga, permite-se também colocar 20% das disciplinas em ensino à distância (EaD). Diante deste panorama, é notória a dificuldade que os professores encontram para atrair alunos nas áreas que não estejam no contexto da clínica de pequenos animais.

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