“O avanço na área de conservação é lento e pouco eficaz”, diz Paulo Bressan, diretor-presidente da Fundação Parque Zoológico de SP

Graduado em Medicina Veterinária e especialização em Saúde Pública Veterinária, Bressan fala sobre projetos e conquistas do Zoo SP e dos desafios enfrentados para o progresso da preservação da fauna silvestre

Desde 1958, a Fundação Parque Zoológico de São Paulo (FPZSP) proporciona entretenimento, desenvolve pesquisas e trabalha para a conservação das espécies mantidas em cativeiro. Também atua para despertar a consciência ambiental da população por intermédio de suas três unidades: Zoológico, Zoo Safári e Divisão de Produção Rural. Mais de 85 milhões de pessoas já visitaram o local desde sua inauguração.

Com uma diversidade faunística muito grande, porém pouca conhecida do ponto de vista da Medicina Veterinária, o Brasil carece de pesquisas nessa área, assim como de profissionais capazes de avaliar o estado sanitário de certas populações, em especial as que se encontram em risco de extinção ou que estejam sendo afetadas pelas atividades humanas. “Para que sejam realmente efetivas, as ações de conservação têm de levar em conta vários aspectos ambientais envolvidos, e isso requer uma equipe multidisciplinar, capaz de agregar conhecimento de diversas áreas, como a botânica, a zoologia, a ecologia e também a Medicina Veterinária”, explica Paulo Magalhães Bressan, diretor-presidente da FPZSP.

Graduado em Medicina Veterinária pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) e especialização em Saúde Pública Veterinária pela mesma instituição, Bressan diz que ainda é pequeno o número de profissionais que atuam a campo prestando serviços e assessorias para entidades conservacionistas. “A demanda existe e a tendência é que aumente rapidamente. Nós já sentimos isso aqui na Fundação. Frequentemente somos chamados para participar de projetos e muitas vezes temos que recusar porque não temos capacidade operativa para tanto. Essa é uma demanda que está aí, e é importante que os profissionais sejam treinados para isso”, orienta.

Durante entrevista ao Informativo CRMV-SP, o médico-veterinário falou sobre os projetos e conquistas do Zoo SP e dos desafios enfrentados para o avanço da preservação da fauna silvestre. “O progresso é lento e pouco eficaz. São poucos os profissionais e instituições que dedicam conhecimento e recursos de materiais para essa área. Não temos ainda como comemorar um avanço real”, enfatiza. Atualmente, Bressan também atua como diretor de divisão do Departamento de Vigilância Sanitária e do Centro de Zoonoses da Secretaria da Saúde de São Paulo. Leia abaixo a entrevista completa:

Quais são as maiores conquistas da Fundação da FPZSP nos últimos anos?

As maiores conquistas do Zoo SP nos últimos quinze anos foram as ações em conservação de fauna silvestre, que compreende o sucesso na reprodução de espécies ameaçadas, como da arara-azul-de-lear e do mico-leão-preto, além do projeto de reprodução da Scinax Alcatraz (Perereca de Alcatraz), fruto de importante trabalho de pesquisa in situ e ex situ de iniciativa da FPZSP. Além dessas, temos outras ações de grande relevância, como:
– A obtenção da certificação ISO 14001, que abrange o Zoológico, o Zoo Safári e a Fazenda do Zoológico em 2006;
– A construção e inauguração do Centro de Conservação de Fauna Silvestre do Estado de São Paulo (CECFAU), na Fazenda do Zoológico em Araçoiaba da Serra, São Paulo;
– O desenvolvimento de trabalhos de conservação in situ e ex situ em termos de cooperação científica com a Universidade Federal de Goiás para o Programa de Conservação de Mamíferos do Cerrado (PCMC) e com o Royal Zoological Society of Scotland para o Programa Tatu Canastra Pantanal em Mato Grosso;
– O estabelecimento do Curso de Pós-Graduação Profissional em Fauna Silvestre em termo de parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), autorizado pela CAPES, em que a FPZSP financia 20 bolsas anuais para os alunos aprovados e promove uma imersão teórica e prática dos alunos nas ações do Zoológico durante o primeiro semestre. Já estamos na quinta turma de mestrandos;
– Desenvolvimento de pesquisas com microrganismos ambientais, consolidadas pela prospecção de bactérias, fungos e de substâncias de interesse biotecnológico da sua unidade de compostagem, que resultou no estabelecimento de moderno laboratório e na criação do Departamento de Pesquisas Aplicadas. Este espaço obteve expressivo financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) em um audacioso projeto em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que resultou na importação de equipamentos de ponta para o Laboratório de Microbiologia e Biologia Molecular do Zoo SP. Além disso, este complexo também abriga o Laboratório de Análises Clínicas e o Laboratório de Reprodução Assistida de Animais Selvagens. Trata-se de um dos grandes avanços nas ações e trabalhos de pesquisa e diagnóstico da FPZSP, que hoje hospeda o expressivo banco genômico e celular de diversas espécies da nossa fauna e grande coleção de microrganismos de interesse biotecnológico.

Comente sobre os projetos em andamento e futuros da FPZSP e os principais desafios frente a esses trabalhos.

O CECFAU foi inaugurado em junho de 2015 e reproduz três espécies emblemáticas da fauna brasileira: o mico-leão-preto, o tamanduá-bandeira e a arara-azul-de-lear, além do mico-leão-dourado e do mico-leão-de-cara-dourada. O desafio que a FPZSP tem à frente desse projeto é com a instalação e reprodução de outras espécies ameaçadas, por se tratar de classes de animais destinados à reintrodução e ou de reforço de populações no Brasil. Diversas publicações, teses de mestrado e doutorado foram realizadas em decorrência do projeto com microrganismos do bioma da compostagem do zoológico. As revistas mais recentes e de grande impacto científico estão associadas ao projeto temático MetaZoo, aprovado pela FAPESP, e em desenvolvimento pelos professores doutores João Carlos Setubal e Aline da Silva, do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade São Paulo (USP). Podemos destacar aqui alguns trabalhos que tiveram resultados expressivos, como o “Metagenomic Analysis of a Tropical Composting Operation at the São Paulo Zoo Park Reveals Diversity of Biomass Degradation Functions and Organisms”, publicado na Revista PlosOne, em abril de 2013; e a “Microbial community structure and dynamics in thermophilic composting viewed through metagenomics and metatranscriptomics”, publicada na Scientific Reports da Nature, em dezembro de 2016. O artigo “Compostagem é fonte para prospecção de novos microorganismos” também foi capa da Revista FAPESP da edição de julho de 2017. Esses e outros trabalhos geraram apresentações no último Congresso da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Na medida em que as questões ambientais ganham relevância para sociedade e passam a integrar políticas públicas, começam a surgir boas e novas oportunidades de trabalho. Como o senhor vê o mercado de trabalho atual para o médico-veterinário que deseja atuar na área de animais silvestres e conservação?

A área de conservação de animais silvestres se amplia cada vez mais devido à perda de nossos biomas e requer uma atuação profissional multidisciplinar, com demanda a participação de médicos-veterinários. Infelizmente, são poucos os colegas que se preparam para ocupar este espaço tão vital à preservação da nossa natureza.

Quais são os principais campos de atuação e os diferenciais para se destacar neste segmento?

As áreas de importância são abrangidas pela medicina da conservação, que envolvem aspectos clínicos, epidemiológicos, laboratoriais, medicina preventiva, doenças infectocontagiosas, conhecimentos prévios e básicos sobre ecologia, biologia de animais silvestres, nutrição animal e comportamento animal. Em condições de campo, o profissional deve ter habilidade diferencial para trabalhar em condições naturais de rusticidade, temperaturas adversas, tempo chuvoso e acampamento com conforto limitado. Também é importante que seja criativo nestas condições.

Os zoológicos vêm desmistificando alguns paradigmas da sociedade, como por exemplo, de que são espaços para acúmulo de animais. Outra contribuição importante é que a educação da população, crie uma consciência ecológica de que é preciso poupar os recursos naturais, respeitar as espécies animais e vegetais, e assim, diminuir a poluição em todos os níveis. Em sua opinião, a população brasileira está caminhando para essa conscientização? Se não, o que deveria ser feito para mudar esse conceito.

Os avanços na tecnologia da comunicação facilitam a difusão de conhecimentos sobre os recursos naturais, incluindo o respeito aos nossos animais silvestres, seus biomas e o meio ambiente em geral. Este trabalho de conscientização é longo e dependente do avanço intelecto-cultural da nossa sociedade, que ocorre lentamente. Muitos zoológicos modernos trabalham com programas bem aprimorados de educação ambiental para conservação da natureza, que incluem métodos científicos de avaliação e modelos mais eficazes para conscientizar a sociedade. Desta forma, é possível driblar ideologias antagônicas, as ações do tráfico e pontos que podem ser ignorados ou negligenciados nas áreas urbanas e rurais.

O Brasil está avançando, de fato, na proteção da fauna silvestre?

Os avanços são lentos, pouco eficazes e envolvem pequenas quantidades de profissionais e instituições, que atuam com recursos mínimos de materiais e de conhecimento. Também são poucos os sucessos a ações de instituições internacionais. Não temos ainda como comemorar um avanço real.

Comente sobre os atuais programas de conservação da fauna silvestre.

Os programas elaborados para a conservação de animais silvestres no Brasil estão sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), que estão limitados a ações com animais em graus variados de ameaça, e que depende de instituições públicas ou privadas para executar e aportar recursos técnicos e materiais para efetivação dos programas, que são de longa duração.

Como o senhor vê a atual participação da Medicina Veterinária na preservação de animais silvestres em cativeiro e em vida livre?

A participação da Medicina Veterinária nos cuidados humanos de animais silvestres é vital à formação de profissionais para a conservação da nossa fauna silvestre. A atuação da nossa classe é ainda limitada a poucos profissionais quando se considera o potencial que a profissão pode e deve contribuir no conhecimento e trabalho pelos animais silvestres. Temos colegas atuantes em zoológicos e centros que cuidam de animais silvestres, mas poucos que se dedicam à atuação em vida.

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