Diz o ditado que “grandes poderes trazem grandes responsabilidades”. Na bovinocultura, o poder está na expertise e na expressividade socioeconômica. Já entre as responsabilidades, podemos listar a gestão e a eficiência no uso da água, bem como a destinação adequada de resíduos que poluem este recurso natural tão precioso.
Isso porque esta é uma demanda global e iminente. Na pauta da Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, a água é objeto direto de dois dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODSs) e, indireto, de toda a agenda 2030 proposta aos países.
Entretanto, no contexto da produção bovina, apesar dos avanços em ciência e tecnologia, “falta maior foco na questão dos recursos hídricos”, diz a médica-veterinária Elma Polegato, presidente da Comissão Técnica de Saúde Ambiental e do Grupo de Trabalho em Destinação de Resíduos gerados nas Atividades Agropecuárias do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP).
Segundo o zootecnista Júlio Palhares, pesquisador na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Pecuária Sudeste, já há legislações e outorgas para cobrança pelo uso de água. “Porém, a medição do consumo ainda é uma prática rara e não tem como se fazer gestão de algo que você não conhece.”
Mudança cultural
Elma e Palhares frisam que, já há iniciativas em grandes players, em busca de reconhecimento como empresa com responsabilidade ambiental. Exemplo disso é o case de uma marca, citado por Palhares. Trata-se de um programa em que fornecedores de leite apresentam monitoramento do consumo de água, estrutura de armazenamento e destinação adequada de efluentes gerados na ordenha.
“O produtor é auditado periodicamente e, se cumprir as metas, recebe bonificação por litro de leite”, menciona o zootecnista. No entanto, ações deste tipo ainda representam uma pequena parcela diante da dimensão do mercado alimentado pela bovinocultura. “É fundamental uma mudança cultural na mesma proporção”, diz Palhares.
Pequenas medidas, grandes resultados
A mudança começa com medidas simples: instalação de hidrômetros para monitorar e controlar o consumo; melhora dos hábitos diários de higienização, com recolhimento dos resíduos sólidos antes da lavagem de ambientes; utilização de água sob pressão e aquisição de sistemas de reuso e preservação de áreas verdes que cercam cursos d’água dentro ou no entorno das propriedades.
Há impactos positivos, ainda, a partir de adequações na ração do rebanho, que se refletem na quantidade de água que os animais precisarão ingerir. “A boa nutrição é fundamental para atribuir eficiência hídrica para os nossos produtos de origem animal”, frisa.
O médico-veterinário e o zootecnista neste contexto
Para Elma e Palhares, é indiscutível o papel dos profissionais da Medicina Veterinária e da Zootecnia como agente conscientizadores de produtores e de trabalhadores que atuam nessas cadeias. “Cabe também aos colegas a missão de apontar pontos de melhoria e seus reflexos positivos”, diz Elma.
Na opinião de Palhares, também é preciso uma movimentação das instituições de ensino, aumentando o foco da questão ambiental na formação, e, das entidades de classe, no sentido de ampliar esse olhar e o diálogo entre os profissionais, cujas atuações são permeadas pelo conceito de Saúde Única, ou seja, a promoção da saúde humana, animal e ambiental.