Longas jornadas de trabalho, contato frequente com animais vítimas de maus-tratos, realização de eutanásias e retorno financeiro abaixo do esperado. Essa combinação de fatores tem impactado diretamente a saúde mental de muitos médicos-veterinários, sobretudo nos primeiros anos de profissão. Com os zootecnistas, apesar de não terem atuação clínica, não é diferente.
Embora todos estejam sujeitos a problemas emocionais, os médicos-veterinários e zootecnistas vivenciam situações especialmente desafiadoras, como explica a médica-veterinária, psicóloga e presidente da Comissão de Atenção à Saúde Mental dos Médicos-Veterinários e Zootecnistas do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CASM/CFMV), Ingrid Bueno Atayde Machado.
“Os clínicos de pequenos animais lidam com expectativas cada vez maiores dos clientes, além das longas horas de trabalho e estudo. Já os clínicos de grandes animais e zootecnistas enfrentam deslocamentos longos, momentos propícios a pensamentos intrusivos, além de riscos nas estradas. Somados a isso, ainda têm seus resultados afetados por fatores sazonais, que estão fora de seu controle”, explica.
Ingrid ressalta que mesmo os profissionais que não atuam diretamente no atendimento a animais, também enfrentam condições adversas. “Na inspeção, há escalas que contrariam o ritmo circadiano e o ciclo sono-vigília, em ambientes frios e rotinas repetitivas. Já quem trabalha em laboratórios e pesquisa pode lidar com eutanásias de forma frequente. E é fundamental lembrar que cada indivíduo reage de forma única aos desafios da profissão.”
Luto invisível e necessidade de acolhimento
Além da rotina intensa, muitos médicos-veterinários carregam uma carga emocional frequentemente silenciada. Psicóloga, pesquisadora e presidente de uma associação voltada ao cuidado da saúde mental desses profissionais, Bianca Stevanin Gresele alerta que esse silêncio pode agravar quadros de esgotamento, fadiga por compaixão e, em situações graves, levar à ideação suicida.
“Na prática clínica, muitos profissionais enfrentam perdas contínuas, sem tempo ou permissão simbólica para vivenciar o luto. Seguem no ‘automático’, acumulando experiências emocionais não elaboradas”, explica.
Para Bianca, é fundamental que os médicos-veterinários tenham espaço e tempo para processar seus sentimentos. “Ambientes clínicos e hospitalares devem criar espaços seguros e acolhedores, onde o luto possa ser verbalizado sem julgamento. Rodas de conversa, grupos de apoio ou supervisão emocional contribuem significativamente para a saúde mental da equipe”, defende.
Ela reforça que o acolhimento precisa se tornar parte da cultura institucional. “O acolhimento empático, aliado a uma cultura que reconheça o valor simbólico das perdas, é um passo essencial para o cuidado ético de quem cuida.”
O peso da rotina
A presidente da CASM, Ingrid Bueno Atayde Machado, observa que as novas gerações de profissionais demonstram mais abertura para buscar ajuda, ainda que de forma tímida. “A consciência sobre as questões de saúde mental aumentou sensivelmente, questionando o antigo limiar de tolerância. E esse não é um fenômeno exclusivo da Medicina Veterinária e da Zootecnia”, ressalta.
Segundo a psicóloga Bianca Stevanin Gresele, muitos profissionais recém-formados saem da faculdade preparados para atender clinicamente os pacientes, mas não necessariamente para lidar com os responsáveis pelos animais. “A complexidade do cuidado em Medicina Veterinária vai além do conhecimento técnico. Ela envolve também a gestão de afetos e expectativas humanas diante da vulnerabilidade de animais que, para muitos responsáveis, são membros da família.”
Ingrid reforça, ainda, que não é apenas a prática profissional que pesa sobre a saúde mental, mas também o próprio estilo de vida contemporâneo. “Há fatores ligados à economia, à dinâmica social e a tantas outras situações atuais que contribuem para o desgaste emocional e podem ameaçar a saúde mental”, salienta.
Cuidar de quem cuida
Todos os anos, setembro é um convite à reflexão: os profissionais também são pessoas. “Campanhas como o Setembro Amarelo devem ser oportunidades para difundir informações baseadas em evidências, combater estigmas, fortalecer redes de apoio e promover uma cultura de saúde mental no ambiente profissional”, destaca a psicóloga Bianca Stevanin Gresele.
O movimento, que surgiu nos Estados Unidos, foi trazido ao Brasil em 2015 pelo Centro de Valorização da Vida (CVV) e hoje também é adotado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP). Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei (PL) nº 5.015/2023, que propõe oficializar o 10 de setembro como Dia Nacional de Prevenção do Suicídio e o 17 de setembro como Dia Nacional de Prevenção da Automutilação.
Bianca e Ingrid Bueno reforçam a importância de procurar ajuda qualificada. “Apenas psicólogos e psiquiatras estão habilitados a acolher e intervir de maneira adequada em situações de sofrimento agudo”, lembra Bianca.
Presença&Cuidado
A Semana do Médico-Veterinário 2025 terá entre seus destaques o debate sobre saúde mental na profissão. No dia 9 de setembro, às 18h, a psicóloga e professora Bianca Stevanin Gresele conduziu a palestra “Saúde Mental na Medicina Veterinária: Desafios Atuais e Caminhos Possíveis”, na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
