Publicada, recentemente, pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, a Portaria MCTI nº 9.037/2025 (alterada pela Portaria MCTI nº 9.299, de 12 de agosto de 2025) define prazos para obtenção do licenciamento das atividades destinadas à criação, à manutenção ou à utilização de animais para ensino ou pesquisa científica, realizadas em instalações de instituições públicas ou privadas previamente credenciadas no Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (Concea).
Médica-veterinária do laboratório do Departamento de Reprodução Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (FMVZ-USP) e integrante da Comissão de Responsabilidade Técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Camilla Mota Mendes ressalta que a Portaria estabelece prazos concretos para que as instituições que utilizam animais em ensino e pesquisa obtenham a licença de funcionamento emitida pelo Ministério.
A profissional lembra que a criação do Concea, o credenciamento, o licenciamento, assim como as responsabilidades dos profissionais foram definidos na Lei 11.974/2008. “Vale ressaltar que o Concea, órgão de caráter consultivo e regulatório ligado ao MCTI, só exigiu o licenciamento após o período previsto de, no mínimo, cinco anos da publicação das Resoluções Normativas (RNs) referentes a todos os táxons e da publicação do Guia Brasileiro de Produção, Manutenção ou Utilização de Animais para Atividades de Ensino ou Pesquisa Científica. As instituições que ainda não iniciaram as atualizações podem enfrentar desafios ou mesmo não conseguir cumprir os critérios mínimos. Portanto, o novo limite funciona como um reforço final à obrigatoriedade do cumprimento das exigências já estabelecidas há anos”, alerta Camilla.
Conselheira do CRMV-SP e médica-veterinária do biotério da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus Araçatuba, Daniela Scantamburlo Denadai ressalta que o prazo para o licenciamento de atividades envolvendo roedores e lagomorfos, cães e gatos, primatas, peixes, anfíbios, serpentes e equídeos expira em 17 de setembro de 2026. Para as espécies com resoluções normativas (RNs) mais recentes e sem outras publicações anteriores, como pequenos ruminantes, grandes ruminantes, suínos e aves, respeitando os cinco anos para adequação, a data máxima para o licenciamento é 03 de maio de 2028.
“A nova portaria apenas reforça o cumprimento dos critérios categorizados como de caráter obrigatório, já publicados anteriormente, visando garantir estruturas que promovam um bom funcionamento de um biotério, para a equipe e animais”, pondera Daniela.
A presidente da Comissão Técnica de Pesquisa Clínica do CRMV-SP, Greyce Balthazar Lousana. Afirma, ainda, que se os cinco anos vencerem, a instituição poderá ter mais seis meses para se adequar e solicitar o licenciamento de suas instalações animais, por meio do Cadastro das Instituições de Uso Científico de Animais (Ciuca). “Por isso, as instituições precisam estar atentas às necessidades de cada táxon e iniciar seus processos de adequação”.
Cadeia de responsabilidades
O Ciuca é a plataforma do Concea para registro e acompanhamento das instituições que utilizam animais em ensino e pesquisa. Por meio dele, o licenciamento será solicitado e o certificado gerado após todas as confirmações. O coordenador responderá sobre a instalação por táxon e se todos os itens obrigatórios estiverem adequados, ele poderá submeter para anuência dos demais envolvidos na cadeia de responsabilidades: responsável técnico, coordenador da Comissão de Ética no Uso de Animais (Ceua), e responsável legal da instituição.
“A Portaria é clara quanto a este processo e reitera que estes envolvidos são igualmente responsáveis pelas informações inseridas no sistema. Além disso, as aprovações ocorrerão pelo acesso integrado ao Gov.BR, garantindo segurança jurídica e rastreabilidade. Uma vez concluído o licenciamento, uma certidão será emitida e deve ficar exposta em lugar visível na instalação”, afirma Camilla Mendes.
Para Daniela Denadai, abre-se um novo cenário de valorização do profissional médico-veterinário responsável técnico (RT), que foi incluído ao Ciuca como um agente de mudanças, com possibilidade de inserir um relatório indicando as melhorias necessárias para o biotério no sistema. “O coordenador da instalação animal, o RT da instalação animal, o coordenador da Ceua, o dirigente máximo e o responsável legal pela instituição são corresponsáveis e responderão solidariamente pela obrigação de verificação e ateste da veracidade das informações fornecidas no processo de licenciamento.”

Desafios
A presidente da Comissão Técnica de Pesquisa Clínica do CRMV-SP, Greyce Lousana, afirma ser fundamental que todos os envolvidos nessa cadeia conheçam, avaliem e comprovem as informações sobre suas instalações. Dessa forma, não caberia a justificativa de que não era do conhecimento, por exemplo, do dirigente institucional as necessidades aplicáveis a cada tipo de biotério. “Diante de qualquer achado, considerando que vários são os envolvidos, todos devem prover, na medida de suas atribuições e responsabilidades, as medidas de correção.”
Para Camilla Mendes, integrante da Comissão Técnica de Responsabilidade Técnica do CRMV-SP, entre os principais desafios enfrentados nos biotérios incluem-se:
✔️Infraestrutura inadequada ou defasada;
✔️ Falta de investimento para as instalações animais e de editais das agências de fomento para custear as adequações;
✔️ Falta de capacitação continuada de pessoal técnico e pesquisadores;
✔️ Deficiente valorização do animal e do seu papel e importância na pesquisa e ensino;
✔️ Integração limitada entre Ceua e gestão institucional;
✔️ Pesquisadores, gestores e membros da Ceua desatualizados em relação à legislação;
✔️ Conflito de interesse da Ceua na avaliação de projetos da própria instituição.
Todos os envolvidos na cadeia de corresponsabilidade de um biotério, desde o pesquisador até o dirigente administrativo, precisam compreender a importância da necessidade de uma boa estrutura e o constante investimento financeiro para mantê-la funcionando adequadamente, a fim de existir instalações e equipamentos apropriados à execução das atividades do biotério. “Isso é de extrema importância para que todos os processos ocorram assegurando um bom manejo, produzindo animais de boa qualidade e garantindo resultados fidedignos dos trabalhos dos pesquisadores”, enfatiza Daniela Denadai.
Por outro lado, Greyce Lousana, esclarece que não há soluções iguais para todos os biotérios, pois cada um, em função do tipo de instituição, do escopo institucional, do número de biotérios, do total de táxons, do número de profissionais envolvidos e do tipo de pesquisa, deve avaliar seu conjunto de variáveis para que ações possam ser adotadas.
RT de biotério
A Portaria do MCTI aumenta a visibilidade e reforça a importância do RT na estrutura institucional, pois ele será um dos envolvidos no processo de licenciamento. “Outro ponto a salientar é que até agora a instituição obtinha o credenciamento apenas com a documentação necessária e a designação da Ceua, sem uma verificação quanto às instalações. Caso não estejam adequadas, não será licenciada e não cumprirá as exigências legais”, afirma Camilla Mendes.
Por usa vez, Daniela Denadai salienta que, apesar da existência bem estabelecida das atribuições do RT pelo Sistema CFMV/CRMVs, essa atualização publicada pelo Concea/Ciuca é um importante passo para enaltecer a importância do médico-veterinário responsável técnico em biotérios. “Agora o sistema Ciuca permite que o RT insira as melhorias necessárias, visando garantir os corretos planejamentos e orientação dos processos, garantindo biossegurança, por meio da saúde e bem-estar dos animais e dos pesquisadores, através da prevenção de zoonoses”.
Greyce Lousana enfatiza que, desde sempre, um RT de biotério tem um grande desafio que é manter diálogo permanente com o responsável institucional, pois é ele quem tem que prover os recursos necessários para a manutenção da instalação, de acordo com os requisitos normativos. “Caso esse diálogo não seja transparente e/ou pouco resolutivo, esse profissional deve buscar formas de se respaldar para comprovar todas as suas ações e para que eventuais demandas fossem resolvidas. Sabemos das dificuldades, mas sabemos também que não podemos agir de forma a expor ao risco os animais, as pessoas e o ambiente.”
Planejamento e orientação
Um ponto importante a destacar, de acordo com Camilla Mendes, é a necessidade de planejamento institucional de médio e longo prazo para a manutenção da qualidade dos biotérios. Isso inclui a previsão orçamentária para reformas, aquisição de equipamentos, capacitação de pessoal e atualização das práticas de manejo animal conforme novas evidências científicas e regulamentações.
“É essencial que as instituições promovam uma cultura de responsabilidade ética e científica no uso de animais, valorizando não apenas o cumprimento normativo, mas também a busca por alternativas alinhadas aos princípios dos 3Rs (Redução, Refinamento e Substituição)”, enfatiza a integrante da Comissão de Responsabilidade Técnica do CRMV-SP.
Para Greyce Lousana, os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs) devem estar sempre abertos para ouvir e garantir que os profissionais sejam amparados na medida da lei sobre demandas e desafios que eles enfrentam. “Ouvir e orientar devem ser ações importantes para que os profissionais se sintam apoiados em suas dificuldades do dia a dia.”