A leishmaniose visceral continua representando um sério desafio à saúde pública no estado de São Paulo. Entre 2017 e 2025, foram notificados 726 casos da doença e 73 óbitos em pessoas, segundo dados da Secretaria de Estado da Saúde. Em 2024, foram 45 registros da forma visceral da doença, e, até abril de 2025, já haviam sido confirmados 14 novos casos, com destaque para a região Noroeste paulista, onde se concentra a maioria das ocorrências recentes.
A doença, que historicamente afetava principalmente áreas rurais, tem avançado sobre centros urbanos, impulsionada por fatores como o desmatamento, a ocupação desordenada e o crescimento das áreas periurbanas. A expansão da leishmaniose visceral acende um alerta para a necessidade de ações preventivas integradas e contínuas.
Causada por protozoários do gênero Leishmania, a leishmaniose é transmitida pela picada do mosquito-palha (Lutzomyia longipalpis). Há duas formas principais da doença: a cutânea, que provoca feridas na pele, e a visceral, considerada mais grave por atingir órgãos internos como fígado, baço e medula óssea.
A transmissão ocorre quando o mosquito se infecta ao picar um animal ou ser humano contaminado e, posteriormente, transmite o parasita em outra picada. Por isso, o controle do vetor, o uso de coleiras repelentes e o cuidado com o ambiente onde vivem os cães, principais reservatórios urbanos, são medidas fundamentais.
Prevenção e diagnóstico passam pelo médico-veterinário
Nesse contexto, os médicos-veterinários desempenham um papel estratégico no enfrentamento à leishmaniose. Segundo a médica-veterinária Trícia de Sousa, integrante da Comissão Técnica de Uma Só Saúde do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), esses profissionais atuam desde o diagnóstico precoce até o manejo clínico dos animais infectados, sempre considerando fatores como qualidade de vida, prognóstico e risco de transmissão. A definição do diagnóstico definitivo, com estadiamento clínico adequado, é essencial tanto para a segurança sanitária quanto para a escolha do tratamento mais apropriado.
“A atuação veterinária também inclui a orientação aos tutores sobre medidas preventivas, como o uso de coleiras inseticidas, repelentes tópicos e práticas de manejo ambiental, que envolvem a limpeza regular de quintais, o controle da matéria orgânica e a instalação de telas em canis. Além disso, os médicos-veterinários contribuem com a vigilância epidemiológica, notificando casos suspeitos, coletando amostras para exames laboratoriais e realizando o diagnóstico diferencial com outras doenças de sintomas semelhantes, como erliquiose e leptospirose”, explica.
Mobilização para o combate à doença
Considerada uma das principais zoonoses no País, a leishmaniose visceral pode ser fatal se não for diagnosticada e tratada corretamente. A prevenção exige a atuação conjunta de governos, profissionais da saúde, responsáveis pelos animais e sociedade como um todo.
Além das ações permanentes, o Programa de Vigilância e Controle da Leishmaniose Visceral (PVCLV), coordenado pela Secretaria de Estado da Saúde, promove anualmente a Semana de Prevenção e Controle da Leishmaniose Visceral. Em 2025, a campanha será realizada entre os dias 10 e 17 de agosto, com uma programação que inclui fóruns, webinários, capacitações para profissionais da área e o monitoramento contínuo da doença, por meio da classificação de risco dos municípios paulistas.
A redução de 23% nas internações por leishmaniose registrada em 2023 reforça a relevância de políticas públicas bem estruturadas e da articulação entre gestores, instituições científicas e médicos-veterinários. A continuidade dessas estratégias integradas é fundamental para conter o avanço da zoonose e proteger a saúde coletiva.
Atuação na prática
O combate à leishmaniose visceral no estado de São Paulo é conduzido pelo PVCLV. O programa adota uma abordagem integrada, que abrange ações de prevenção, diagnóstico, tratamento e controle, em parceria com instituições como o Instituto Adolfo Lutz, o Instituto Pasteur e as prefeituras dos municípios afetados.
Em cidades com maior incidência da doença, como Araçatuba e Bauru, o controle do vetor inclui a aplicação sistemática de inseticidas residuais em áreas de risco, previamente mapeadas com base em dados epidemiológicos. Nessas regiões, também são promovidas campanhas de distribuição gratuita de coleiras repelentes para cães, especialmente em bairros mais vulneráveis. As ações são coordenadas pelos serviços municipais de saúde e pelas vigilâncias ambientais, com apoio técnico do Instituto Adolfo Lutz, responsável pelos exames laboratoriais e pelo georreferenciamento das áreas críticas. O programa contempla, ainda, visitas domiciliares para orientação da população, atividades educativas em escolas, manejo ambiental, com remoção de matéria orgânica e monitoramento contínuo por meio de painéis digitais.
