Peste bubônica, malária, leptospirose, toxoplasmose, raiva e dengue. A princípio, parece que essas enfermidades não têm nada em comum, mas todas elas são zoonoses, ou seja, doenças de origem animal transmitidas para humanos. Em alguns casos o animal é apenas o vetor e não manifesta a doença.
Zoonoses foram responsáveis por várias epidemias ao longo da História. A Peste Negra (ou Bubônica) por exemplo, foi causada pela bactéria Yersinia pestis, e devastou a Europa e a Ásia no século 14. A doença era originária de roedores e transmitida aos humanos por meio da picada de pulgas infectadas. Estima-se que, somente no continente europeu, mais de 20 milhões de pessoas morreram. Mas qual o papel do médico-veterinário nisso tudo? O que tem a ver com isso?
Quando se fala em doenças, epidemias e pandemias, é comum pensar no médico como quem trata e cura pessoas e pouco se pensa no médico-veterinário. No entanto, enquanto a Medicina busca tratar e curar os doentes, a Medicina Veterinária busca prevenir e impedir novas epidemias.
“O trabalho do médico-veterinário abrange um grande campo de atuação que vai muito além do atendimento clínico e cirúrgico de pequenos animais”, destaca a médica-veterinária e coordenadora técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP), Carla Maria Figueiredo de Carvalho.
Mais que consultórios e clínicas
Além do atendimento clínico e cirúrgico de animais de companhia e silvestres, o médico-veterinário pode atuar em diversas áreas, entre as quais, as voltadas ao meio ambiente, à educação, à inspeção de alimentos de origem animal e à saúde pública.
Como exemplifica a médica-veterinária e presidente da Comissão de Pesquisa Clínica Veterinária do CRMV-SP, Greyce Balthazar Lousana, a atuação dos profissionais da Medicina Veterinária engloba “pesquisa e desenvolvimento, meio ambiente, clínicas, hospitais, instituições de ensino, e com as diferentes espécies. Assim como no desenvolvimento de novos produtos sujeitos ao controle sanitário, controle de vetores, vacinas, genética, enfim, o céu é o limite”.
Saúde Pública
Com relação à saúde pública, talvez muitos imaginem apenas médicos e enfermeiros trabalhando, mas a Medicina Veterinária também faz parte da área da saúde. A ação do médico-veterinário é essencial para o controle de zoonoses, vigilância sanitária e segurança alimentar.
A médica-veterinária com doutorado em Zootecnia, Paola Moretti Rueda, que integra a Comissão Nacional de Saúde Única do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), explica a atuação do médico-veterinário na saúde pública. “O papel do médico-veterinário na saúde pública é essencial para prevenir doenças, garantir a segurança alimentar, controlar vetores de doenças, entre outros. Os médicos-veterinários contribuem de forma significativa para a prevenção de surtos, o controle de doenças e a proteção da saúde humana.”
Já o médico-veterinário, Mário Ramos de Paula e Silva, servidor na seção de controle de zoonoses na prefeitura municipal de Bauru, vai além na amplitude dessa atuação. “O campo da Medicina Veterinária é vasto e as oportunidades para a saúde pública veterinária são ilimitadas, porém o seu maior desafio é ser capaz de aplicar a grande quantidade de resultados de pesquisas disponíveis e o conhecimento técnico dotado para melhorar a desigualdade social, contribuindo para o desenvolvimento nacional.”
Ele também explica onde o profissional pode atuar no Sistema Único de Saúde. “No SUS, o médico veterinário pode trabalhar nas vigilâncias em saúde, nas Comissões Intersetoriais e Permanente, e nas Direções Nacional, Estadual e Municipal, conforme os artigos 6° e 12 ao 18 da Lei Orgânica da Saúde”, afirma o Paula e Silva, que já ocupou o cargo de secretário de saúde.
Uma Só Saúde
A próxima pandemia não será evitada apenas com vacinas, mas com vigilância constante dos habitats onde os vírus circulam. Nesse papel o médico-veterinário é crucial, afirma Greyce Lousana, que também preside a Sociedade brasileira de Profissionais em pesquisa Clínica (SBPPC).
“Se não tivermos uma interação entre médicos-veterinários e demais profissionais de saúde, o futuro da humanidade será cada vez mais caótico. O médico-veterinário deve ter uma visão ampla e entender que seu papel é vital para todo o ecossistema”, ressalta.
Por isso, atualmente existe a ideia de One Health ou Uma Só Saúde, conceito que reforça a necessidade de integrar os profissionais das diferentes áreas da Saúde.
Segundo o Ministério da Saúde, o conceito One Health é “uma abordagem integrada que reconhece a conexão entre a saúde humana, animal, vegetal e ambiental” e “propõe e incentiva a comunicação, cooperação, coordenação e colaboração entre diferentes disciplinas, profissionais, instituições e setores para fornecer soluções de maneira mais abrangente e efetiva.”
Prevenir é melhor que remediar!
O conceito de Uma Só Saúde ganhou força especialmente após a última pandemia, como destaca Paola Moretti Rueda. “O período da Covid-19 foi um marco importante que destacou a relevância desse conceito, pois mostrou como doenças podem se espalhar entre animais e humanos, afetando diretamente a saúde pública mundial.”
Após a mobilização mundial por conta da Covid-19, relatórios da Organização das Nações Unidas (ONU) têm defendido abordagem que una saúde humana, animal, vegetal e ambiental como a melhor forma de prevenir e responder a futuras pandemias frente à tendência crescente de doenças zoonóticas. Além da saúde, ficou evidente os impactos econômicos e sociais envolvidos. Esse entendimento reafirma que o médico-veterinário é tão importante, quanto os demais profissionais da área da Saúde.
“Trata-se de um profissional de saúde que atua na prevenção, no controle, na pesquisa, no diagnóstico e na educação de doenças transmissíveis entre animais, o meio ambiente e humanos. Ele também contribui para a saúde do ambiente e para a conservação dos animais e da biodiversidade, muito importantes na atualidade para a saúde de todos”, afirma Mário Ramos de Paula e Silva.
A saúde humana, animal, vegetal e ambiental estão interligadas, e o médico-veterinário é um dos pilares dessa conexão. Em um mundo cada vez mais globalizado, reconhecer e fortalecer esse papel é fundamental para evitar novas crises sanitárias e garantir um futuro mais saudável para todos.

Tem médico-veterinário aqui!
Além do atendimento clínico e cirúrgico a animais de companhia e silvestres o médico-veterinário pode atuar também, entre outras áreas, como:
– Bem-estar dos animais: garantindo que os animais recebam cuidados adequados para sua saúde física e mental, inclusive aqueles destinados a produção de alimentos;
– Inspeção e vigilância: controle sanitário de alimentos de origem animal, assegurando que estejam livres de patógenos que possam ser transmitidos aos humanos;
– Certificação de produtos e sistemas produtivos: assegurando que instalações, como fazendas, granjas, frigoríficos e outras etapas da cadeia produtiva, atendam aos padrões estabelecidos em normas;
– Área forense: auxiliando investigações de crimes relacionados a animais;
– Docência: Ministrando aulas em cursos de Medicina Veterinária e Zootecnia, e até mesmo de Medicina e Saúde Pública.
– Pesquisa científica: desenvolvendo novas terapias, vacinas e medicamentos para animais e seres humanos;
– Preservação ambiental: gerindo resíduos de origem animal e colaborando na proteção de espécies ameaçadas;
– Laboratórios: analisando agentes patogênicos e auxiliando no diagnóstico de doenças zoonóticas;
– Saúde pública: monitorando zoonoses, garantindo a segurança alimentar, e atuando nas equipes multidisciplinares no Sistema Único de Saúde, entre outras atividades.