LEISHMANIOSE VISCERAL PARA PROFISSIONAIS DA SAÚDE

Definição:

A leishmaniose é uma doença de caráter zoonótico que acomete o homem e diversas espécies de animais silvestres e domésticos, com distintas formas clínicas na dependência da espécie de leishmania envolvida e da resposta imune do hospedeiro. Em seres humanos apresenta-se sob quatro formas clínicas: visceral, cutânea, mucocutânea e cutânea difusa. Das quatro, a leishmaniose visceral é a mais grave por ser geralmente fatal quando não tratada. Em animais observam-se as formas visceral e cutânea.

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a prevalência mundial das diferentes formas clínicas da doença ultrapassa 12 milhões de casos humanos, com mortalidade estimada em 59 mil óbitos por ano. Atualmente, a OMS vem alertando para o aumento do número de casos de leishmaniose visceral associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV). Nas Américas a doença ocorre desde o México até a Argentina, com cerca de 90% dos casos humanos procedentes do Brasil.

O cão é considerado o principal reservatório da doença. Enquanto a prevalência da infecção em cães em áreas endêmicas pode chegar a mais de 50%, a incidência da doença em humanos nas mesmas áreas varia de 1 a 2%. É importante salientar que a prevalência de infecção canina é maior que a soroprevalência, isto é, muitos cães infectados não desenvolvem resposta imune humoral e, portanto, não são identificados por meio de métodos sorológicos. Com a utilização de técnicas moleculares de diagnóstico sabe-se hoje que para cada cão sintomático vivendo em área endêmica, existem cerca de cinco cães assintomáticos.

Existem discordâncias na literatura com relação à susceptibilidade dos felinos domésticos à infecção por Leishmania sp. Acredita-se que gatos infectados possuam certo grau de resistência natural à enfermidade provavelmente relacionada a fatores genéticos, entretanto, ainda é desconhecida a importância do gato na epidemiologia, pois estudos com xenodiagnóstico comprovaram a capacidade do gato em infectar o vetor. No Brasil, a prevalência em felinos residentes em área endêmica varia entre 6,5% a 14,5 % de infecção. Um estudo em que foram avaliados 55 gatos com dermatopatias residentes no município de Araçatuba, área endêmcia para leishmaniose visceral, identificou 49% de animais infectados por L. chagasi.

Etiologia:

As leishmanias são protozoários pleomórficos, com formas promastigotas e paramastigotas, que se desenvolvem no trato alimentar de um inseto hospedeiro, e formas amastigotas que vivem e multiplicam-se no interior de células do sistema mononuclear fagocitário de um hospedeiro vertebrado. Sua multiplicação, em ambos hospedeiros, se faz por divisão binária. Os agentes da leishmaniose visceral são protozoários da ordem Kinetoplastida, família Trypanosomatidae e gênero Leishmania. As leishmanias do complexo Leishmania braziliensis e Leishmania mexicana são os agentes causadores da leishmaniose tegumentar; a leishmaniose visceral faz parte do complexo Leishmania donovani, também encontrada na África e Ásia; Leishmania infantum na Ásia, Europa e África e Leishmania chagasi nas Américas. Semelhanças estruturais verificadas por meio de estudos moleculares sugerem que a L. chagasi e a L. infantum sejam a mesma espécie, permitindo a denominação L. infantum (syn. chagasi).

Transmissão:

Os vetores implicados na transmissão das leishmanioses são denominados flebotomíneos, sendo conhecidos dois gêneros: Lutzomyia, presente no Novo Mundo e Phlebotomus, que ocorre no Velho Mundo. A principal espécie transmissora da leishmaniose visceral nas Américas é a Lutzomyia longipalpis (Fig. 1), conhecida popularmente no Brasil como mosquito palha, birigüi, asa dura ou tatuquira. Não obstante a Lutzomyia longipalpis ter sido considerada durante muito tempo como o único transmissor da doença nas Américas, a Lutzomyia intermédia foi identificada como vetor no litoral do município do Rio de Janeiro, e a Lutzomyia cruzi como o vetor no Mato Grosso do Sul. Várias espécies de Lutzomyias estão implicadas na transmissão da leishmaniose tegumentar no Brasil, dentre elas a Lutzomyia intermedia e a Lutzomyia migonei.

Os flebotomíneos são pequenos, com um a três milímetros de comprimento, recobertos de pêlos, e de coloração clara, cor de palha ou castanho claro, facilmente reconhecíveis por seu comportamento ao voar em pequenos saltos e pousar com as asas entreabertas e ligeiramente eretas. É comum encontrá-los no peridomicílio em galinheiros, chiqueiros, canis e outros locais sombreados, podendo também ser encontrados no intra-domicílio. Após a cópula, as fêmeas ovipõem na terra, em lugares úmidos, ricos em matéria orgânica (restos vegetais como folhas, frutos, resíduos de alimentos e fezes de animais) e com baixa luminosidade, e os ovos eclodem, geralmente, de sete a 10 dias após a postura, dando origem às larvas, que se transformam em pupas e posteriormente em adultos.

A atividade do flebótomo inicia-se ao entardecer mantendo-se até aproximadamente às 23 horas, eventualmente até o amanhecer. São comuns em galinheiros, chiqueiros, canis e abrigos de animais domésticos ou qualquer local sombreado. No intra-domicílio, as L. longipalpis se mantêm em repouso nas paredes. O principal mecanismo de transmissão da doença ocorre quando as fêmeas de Lutzomyia longipalpis, infectadas com formas promastigotas, alimentam-se em hospedeiros susceptíveis, inoculando-as juntamente com a saliva do inseto. A inoculação na pele promove resposta inflamatória local, levando à sua fagocitose por células do sistema mononuclear fagocitário, principalmente os macrófagos. No interior dos macrófagos as formas promastigotas perdem o flagelo, diferenciando-se em amastigotas. As células densamente parasitadas rompem-se, liberando estas formas, que serão fagocitadas por novos macrófagos. Ocorre, então, a disseminação hematogênica e linfática para tecidos ricos em células do sistema mononuclear fagocitário.

A infecção do vetor ocorre quando as fêmeas, ao sugarem o sangue de mamíferos infectados, ingerem macrófagos parasitados. No sistema digestório do mosquito ocorre o rompimento dos macrófagos liberando as formas amastigotas, que se reproduzem por divisão binária e diferenciam-se rapidamente em formas flageladas denominadas de promastigotas. Estas, por sua vez, sofrem divisão binária, multiplicação e diferenciação em formas paramastigotas, as quais colonizam o esôfago e a faringe do vetor onde permanecem aderidas ao epitélio pelo flagelo. Então, diferenciam-se em formas promastigotas metacíclicas, que são as formas infectantes. O ciclo do parasito no inseto se completa em torno de 72 horas. Quando o inseto realiza novo repasto sanguíneo, formas infectantes são inoculadas, reiniciando-se assim, o ciclo no hospedeiro vertebrado.

Apesar da transmissão da leishmaniose visceral canina geralmente ocorrer por meio da picada de um flebotomíneo, é possível que ocorra também por transfusões sangüíneas, transmissão transplacentária e transmissão venérea.

Sinais clínicos em animais:

Embora a maioria dos animais infectados encontre-se em ótimo estado geral, em cães sintomáticos as manifestações clínicas podem ser inespecíficas como febre, anemia, emagrecimento, caquexia, infoadenomegalia, hepato e esplenomegalia. As alterações dermatológicas são as manifestações clínicas mais comuns, entre 50 a 90% da leishmaniose visceral canina (LVC) e podem ocorrer na ausência de outros sintomas. A forma cutânea clássica caracteriza-se por queda de pêlos formando regiões de alopecia, dermatite esfoliativa não pruriginosa, com presença de descamação branca prateada e presença de ulcerações cutâneas; ambas ocorrências mais pronunciadas na cabeça, em região periocular, ponte nasal, borda dos pavilhões auriculares, coxins e região interdigital, zonas ósseas salientes; ou difusamente distribuídas. É frequente a observação de cães com quadro de pododermatite, hiperqueratose de coxins, onicogrifose, hiperemia, e muitas vezes, secreção bacteriana (Figs.2 e 3).

Poliúria e polidipsia podem indicar lesão renal e às vezes são os únicos sintomas da doença. Os cães podem desenvolver quadros de glomerulonefrite e nefrite intersticial, culminando com uma insuficiência renal, principal causa do óbito em animais infectados. Aproximadamente 20 a 80% dos cães com leishmaniose visceral possuem problemas oculares, que variam de uma simples blefaroconjuntivite, com presença de secreção ocular bilateral, a uma ceratoconjuntivite, uveíte anterior, até uma severa panoftalmite. Os sintomas relacionados ao sistema digestório consistem em hiporexia ou anorexia, êmese e diarréia crônica, devido à presença de erosões da mucosa gástrica e intestinal, resultando em hematoquezia ou melena. A enterite pode ser resultado do dano parasitário direto ou, eventualmente, conseqüência de uma insuficiência renal.

Alguns cães apresentam pneumonia intersticial, e existem descrições de raros casos de miocardite e pericardite por leishmaniose visceral. Cães com leishmaniose podem apresentar, ainda, sinais de diáteses hemorrágicas, manifestadas primariamente por epistaxe. A LVC pode causar problemas locomotores decorrentes de polimiosite, neuropatias periféricas, poliartrite, sinovite, osteomielite ou úlceras interdigitais e em coxins. Os quadros de poliartrite são causados pela presença do parasito ou por depósito de imunecomplexos circulantes. Muitas vezes é possível a identificação de formas amastigotas no líquido sinovial. Destacam-se ainda convulsões, andar em círculos, nistagmo, tremor de intenção, tetraparesia e alterações em pares de nervos cranianos levando a quadros de estrabismo, paralisia de mandíbula e ptose facial dentre outros. Essas podem ser decorrentes da deposição de antígenos de Leishmania sp. e de imunoglobulinas no sistema nervoso central ou devido a presença de outros agentes infecciosos.

A anemia, geralmente grave, é constante alteração hematológica, seguida pela monocitose trombocitopenia e leucopenia por aplasia da medula óssea. A presença de formas amastigotas nos esfregaços sangüíneos é um achado ocasional. Uma característica da LVC é a disproteinemia, com aumento dos níveis de proteína sérica total, que na eletroforese do soro revela aumento da fração gama, e às vezes beta globulina, com diminuição da fração albumina.

A imunossupressão causada pela leishmaniose pode promover a ocorrência de infecções oportunistas concomitantes, tais como piodermites, malassezíase, dermatofitoses e demodiciose. O quadro clínico pode ser complicado por co-infecções com Ehrlichia canis, Babesia sp., Dirofilaria immitis, Toxoplasma gondii e Neospora caninum em regiões onde estes organismos também são endêmicos. Na leishmaniose visceral felina, as principais manifestações clínicas são letargia, hiporexia, êmese, diarréia, perda de peso e de massa muscular, e presença de lesões cutâneas nos pavilhões auriculares, membros e interdigital ou difusas pelo corpo – tais como descamação cutânea, alopecia difusa, presença de crostas na pele, formações nodulares e úlceras que podem se reepitelizar e recidivar várias vezes. A leishmaniose felina pode estar associada ao vírus da imunodeficiência e da leucemia felina, com sobreposição de sintomas, dificultando a suspeita diagnóstica.

Sintomas em humanos:

Em seres humanos a forma assintomática da doença é comum nas áreas endêmicas, embora apresentem reações sorológicas positivas e frequentemente reativos ao teste intradérmico de Montenegro. Nas formas clínicas aparentes, observam-se febre baixa recorrente, tosse seca, diarréia, sudorese e prostração. A forma crônica ou clássica da leishmaniose visceral é de evolução prolongada, com desnutrição protéico-calórica, e emagrecimento progressivo, abdome aumentado por hepato e esplenomegalia (Fig.4), dificuldade respiratória, dor de cabeça, dores musculares, perturbações digestivas, hemorragias nasais e evolução para o óbito se o paciente não for submetido ao tratamento específico. Formas amastigotas do parasito podem ser encontradas principalmente em baço, linfonodo e órgãos hematopoiéticos.

Diagnóstico:

A forma mais segura de diagnóstico da LVC é a observação direta de formas amastigotas do parasito em esfregaços obtidos por citologia aspirativa por agulha fina de linfonodos, baço, fígado e de medula óssea (Fig. 5). Este é o método mais simples, rápido e pouco traumático mais utilizado nas clínicas veterinárias. Apresenta sensibilidade variável na dependência da fase da doença, da carga parasitária e do tipo de material biológico coletado, mas pode ser bastante elevada quando se associa a punção aspirativa de linfonodos com a de medula óssea. Linfonodos hipertrofiados devem ser escolhidos para a realização da punção; entretanto, é possível observar formas amastigotas do parasito em linfonodos de tamanho normal, na dependência da carga parasitária.

As formas amastigotas são esféricas a ovóide, medindo dois a cinco micrômetros e contendo um núcleo arredondado, e um cinetoplasto alongado em forma de bastonete. O encontro de parasitos depende da carga parasitaria, especialmente em animais assintomáticos, onde há poucas formas amastigotas podem ocorrer resultados falso-negativos, e neste caso deve-se avaliar maior número de campos microscópicos. O emprego da imuno-histoquímica, altamente sensível e específica, melhora em muito o resultado do diagnóstico. Animais doentes produzem resposta imune humoral e com altos títulos de IgG , o que nem sempre ocorre nos cães assintomáticos por desenvolverem resposta imune basicamente celular e não apresentarem soroconversão. A soroconversão ocorre entre cinco meses e dois anos após a infecção. Os testes sorológicos mais utilizados são a reação de imunofluorescência indireta (RIFI), o ensaio imunoenzimático (ELISA), Fixação do Complemento (FC) e as técnicas de imunocromatografia. Os testes sorológicos devem ser interpretados com cautela, uma vez que não são 100% sensíveis e falham em detectar cães infectados no período pré-patente e antes da soroconversão, cães que jamais farão soroconversão e cães soropositivos que se convertem em soronegativos, mas ainda permanecem infectados. A sensibilidade e especificade das técnicas sorológicas dependem do tipo de antígeno empregado (antígenos brutos, purificados ou recombinantes).

Na dependência da técnica e do antígeno utilizados pode ocorrer reação cruzada entre leishmaniose visceral e doença de Chagas, erliquiose, toxoplasmose e neosporose. É importante ressaltar, no entanto, que os animais erroneamente classificados como positivos apresentaram reações fracamente positivas, com títulos de RIFI, e densidades ópticas de ELISA, próximos ao ponto de corte estabelecido pela reação. Desta forma, as reações sorológicas cruzadas devem ser aventadas em pacientes sem confirmação parasitológica de leishmaniose visceral e quando o método sorológico utilizado fornecer resultados que se aproximam do ponto de corte.

Atualmente o Ministério da Saúde utiliza, para o diagnóstico da LVC, o teste rápido DPP® (Dual Path Platform. Bio-Manguinhos/FIOCRUZ) como teste de triagem e o ELISA (EIE®. Bio-Manguinhos) como confirmatório. O primeiro usa a proteína recombinante rK28 (antígenos rK9, rK39 e rK26) com antígeno. As técnicas sorológicas rotineiramente empregadas para cães não demonstram ser um instrumento eficiente para a determinação da infecção em gatos. Os resultados obtidos em vários estudos sugerem que a resposta imune em gatos difere da observada em cães e que os primeiros raramente desenvolvem resposta imune humoral.

A reação em cadeia da polimerase (PCR) permite identificar e ampliar seletivamente sequências de DNA do parasito em uma variedade de tecidos, incluindo medula óssea, aspirados de linfonodos, baço e fígado, biópsias cutâneas, conjuntiva, sangue, liquor, cortes histológicos de tecidos parafinados e congelados. A escolha do tecido onde será realizada a pesquisa do DNA do parasito influencia a sensibilidade da reação. Nas amostras de sangue a sensibilidade é baixa devido a flutuações na parasitemia, mas eleva-se quando a pesquisa é realizada em órgãos linfoides. Deve-se preferencialmente utilizar a PCR em tempo real, que apresenta maior sensibilidade do que a PCR convencional. Como utiliza um sistema fechado, o risco de contaminação das amostras é menor, elevando também a especificidade do teste. Outra vantagem é que por meio dela pode-se quantificar o número de cópias de DNA presentes na amostra biológica, fornecendo uma importante informação quanto à carga parasitária, principalmente quando do monitoramento do paciente. De acordo com o possível tempo de evolução da doença, o clínico deve saber optar pelo método de diagnóstico mais indicado, e pelo tipo de material a ser colhido (sangue, linfonodos, medula óssea, etc). Por exemplo, um animal que tenha sido infectado há dois meses não terá realizado soroconversão e, muitas vezes, apresenta citologia de órgãos linfóides negativa também. Entretanto, a PCR pode ser capaz de identificar o DNA do parasito no tecido linfóide e até no sangue periférico. No entanto, se o cão apresentar envolvimento sistêmico crônico, pode ser mais difícil a identificação do parasito circulante e, nesses casos, a melhor opção seria realizar PCR de órgãos linfóides.

O diagnóstico humano e o acompanhamento da doença contam com o serviço do Ambulatório de Zoonoses do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo-SP. O endereço é Avenida. Dr. Arnaldo, 165 – Prédio dos Ambulatórios. O telefone para contato é o (11) 3896-1200. Os trabalhos acontecem sob responsabilidade do Dr. Marcos Vinicius da Silva (marcos.silva@emilioribas.sp.gov.br ou mvsilva@pucsp.br) e as consultas podem ser agendadas por telefone ou no site do hospital.

Tratamento:

Em 11 de julho de 2008 foi publicada, no Brasil, a portaria interministerial dos Ministérios da Saúde e da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) proibindo o tratamento de leishmaniose visceral canina com produtos de uso humano ou não registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, em todo o território nacional. Como até a data de sua publicação não havia nenhum produto registrado para tratamento da leishmaniose visceral canina no Brasil, entende-se não ser permitido tratar cães com leishmaniose. Tal portaria baseou-se, nas seguintes assertivas: de que não há, até o momento, nenhum fármaco ou esquema terapêutico que garanta a eficácia do tratamento canino, bem como na redução do risco de transmissão; na existência de risco de cães em tratamento manterem-se como reservatórios e fontes de infecção para o vetor; e no risco de seleção de estirpes resistentes aos medicamentos disponíveis para o tratamento das leishmanioses em seres humanos.

Prevenção e controle:

No Brasil, data de 14 de março de 1963 a publicação do Decreto-Lei 51.838, que estabelece normas técnicas especiais para o combate às leishmanioses. Dentre as medidas exigidas encontram-se a realização de inquéritos epidemiológicos para identificação de cães infectados com sua posterior eliminação, campanhas sistemáticas contra os flebótomos nas áreas endêmicas e tratamento dos casos humanos. A eliminação de cães domésticos apresenta o menor suporte técnico-científico entre as três estratégias do programa de controle. O grande atraso de tempo entre a coleta do sangue, o diagnóstico e a eutanásia do cão, é um dos pontos contestados e que seguramente gera falhas no controle da leishmaniose visceral. Outro fator a ser considerado é a elevada taxa de reposição canina após a retirada de cães infectados para a eutanásia.

A diminuição da transmissão da doença deve ser baseada fundamentalmente no controle de vetores. O combate ao vetor deve ser feito por meio de borrifação do domicílio e peridomicílio com organoclorados, organofosforados e piretróides, limpeza de quintais e, principalmente, educação sanitária da população. É necessário que se faça a educação sanitária da população no sentido de realizar constantemente a limpeza de quintais, remoção de fezes de animais e de resíduos orgânicos, tais como folhas e frutas caídas. É imprescindível que as medidas empregadas no controle da leishmaniose sejam realizadas de forma integrada para que sejam efetivas.

Medidas para proteger individualmente cães incluem manter o animal dentro de casa ou em canis telados no período de maior atividade do vetor, e uso de inseticidas tópicos como permetrina e deltametrina em soluções, spot-on, sprays e coleiras. Os piretróides protegem contra a picada dos vetores devido a efeitos repelente e inseticida, e pela redução na taxa de alimentação dos flebotomíneos nos animais. De todas as medidas de proteção, a utilização de coleiras impregnadas com deltametrina é a mais efetiva, e recomendada pela Organizacão Mundial da Saúde. Atualmente é possível encontrar no mercado brasileiro três coleiras contendo deltametrina para proteção de cães contra leishmaniose visceral. Apesar de existirem alguns estudos comprovando a eficácia de todas, apenas uma possui vários estudos a campo realizados no Brasil em condições de desafio semelhantes ao local onde serão utilizadas, isto é, no que diz respeito ao tipo de vetor, densidade populacional de vetores, imunocompetência de cães expostos e condições ambientais. Os resultados obtidos apontam para uma efetividade da utilização das coleiras associada às demais medidas de controle, demonstrando uma redução da incidência de casos humanos e da prevalência de cães infectados em áreas onde os cães são encoleirados. Apesar de uma delas poder ser utilizada em gatos, não existem ainda estudos realizados nesta espécie animal no que tange a prevenção de infecção por flebotomíneos transmissores de leishmaniose visceral.

O desenvolvimento de uma vacina efetiva contra a leishmaniose visceral canina tem sido objeto de inúmeras pesquisas. Por se tratar de zoonose transmitida pela picada de um flebotomíneo, o ideal é que a vacina não só confira imunidade celular, impedindo a infecção e o desenvolvimento de sintomas, como também impeça a transmissão do parasito, caso o animal vacinado adquiria a infecção, mesmo mantendo-se assintomático. Não basta que a doença seja evitada, pois animais assintomáticos também possuem capacidade de infectar flebotomíneos. Vacinas com estas qualidades resultariam na prevenção da enfermidade canina e, provavelmente, na diminuição da incidência de casos da doença em seres humanos.

Atualmente existe uma única vacina contra LVC no mercado brasileiro, que utiliza como antígeno a proteína recombinante A2, encontrada em formas amastigotas de L. donovani. Apesar do registro e de sua comercialização, o Ministério da Saúde ainda não recomenda sua utilização, uma vez que, até o momento, não existe comprovação, de forma acurada, de redução da incidência da infecção em humanos, da prevalência da doença em cães e da transmissão do parasito ao vetor. De acordo com o Ministério da Saúde, os municípios onde a leishmaniose visceral canina é endêmica só poderão utilizar vacinas que permitam diferenciar cães vacinados de cães infectados. As vacinas deverão ser usadas somente em cães com diagnóstico sorológico negativo para leishmaniose visceral, utilizando kits para diagnóstico registrados no MAPA. Ainda, segundo o Ministério da Saúde, mesmo com o atestado de vacinação, um animal sorologicamente positivo deve ser submetido à eutanásia, uma vez que a aplicação da vacina não confere imunidade a todos os cães e este animal poderia estar infectado.

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