Imagine um mundo sem frutas, verduras ou flores.Conseguiu? Esse cenário sem cor, sabor e biodiversidade pode se tornar realidade se as abelhas forem extintas. No Dia Mundial das Abelhas, é impossível ignorar o papel vital desses insetos na manutenção do equilíbrio ambiental e da segurança alimentar. As abelhas estão desaparecendo, vítimas da perda de habitat provocada pela expansão urbana desordenada e por práticas agrícolas predatórias.
As abelhas são os principais agentes da polinização — processo no qual o pólen, produzido nos órgãos masculinos das flores, é transportado até a parte feminina, possibilitando a reprodução das plantas. Esse transporte pode ocorrer pelo vento, pela água ou, principalmente, por animais como as abelhas. Ao visitar uma flor em busca de néctar, o pólen adere aos pelos de seu corpo e é levado de uma flor a outra, promovendo a fecundação.
Além de garantir a frutificação, a polinização cruzada — feita entre indivíduos diferentes da mesma espécie vegetal — melhora a qualidade de frutos e sementes e aumenta a variabilidade genética. Isso torna os cultivos mais resistentes a pragas e reduz a necessidade do uso de defensivos agrícolas.
“Elas são peças-chave para o equilíbrio ambiental. Sem polinizadores, a reprodução das plantas é comprometida, o que afeta diretamente a oferta de alimentos para outros animais e, por consequência, para nós mesmos”, alerta Ricardo Costa Rodrigues de Camargo, pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e doutor em Zootecnia, com especialização em Nutrição e Produção Animal/Apicultura pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Polinizadoras profissionais
Dados do Relatório Temático sobre Polinização, Polinizadores e Produção de Alimentos no Brasil, publicado em 2019, revelam que as abelhas representam o maior grupo de polinizadores do país. Elas correspondem a cerca de 48% das espécies identificadas como visitantes florais de cultivos ligados à produção de alimentos.
Essas espécies estão associadas a 132 cultivos agrícolas, sendo reconhecidas como polinizadoras em 91 deles — e, em 74 casos, são as únicas responsáveis pela polinização. Entre os cultivos beneficiados estão culturas de alto valor econômico, como soja, café, erva-mate e tomate.
“As abelhas são fundamentais para o equilíbrio ambiental, pois atuam como polinizadoras e prestadoras de serviços ecossistêmicos essenciais. No caso da polinização, há uma relação direta com a reprodução das plantas, o que contribui para a conservação da flora e de todo o ecossistema”, destaca o pesquisador da Embrapa Ricardo Camargo.
Do campo ao pote de mel
Hebert Monteiro, responsável legal por um apiário em São José do Rio Preto e representante da quarta geração de sua família dedicada à apicultura, explica que a rotina de um apiário envolve atividades tanto no campo quanto no entreposto de processamento dos produtos.
“No campo, o manejo é planejado conforme o calendário apícola da região, com visitas periódicas às colmeias para avaliar a postura da rainha, a força populacional, realizar o controle sanitário e o manejo nutricional — especialmente em períodos de escassez floral. Já no entreposto, as atividades seguem rigorosos protocolos de Boas Práticas de Fabricação (BPF), e incluem desde a recepção do produto bruto até as etapas de desoperculação, centrifugação, decantação, filtragem, controle de umidade e, quando necessário, análises físico-químicas. Além disso, é fundamental garantir o cumprimento das exigências sanitárias e manter toda a documentação exigida pelos órgãos de fiscalização.”
A médica-veterinária e responsável técnica por apiários, Maria Dulce Kortz Springer, destaca a importância do planejamento das inspeções técnicas. “As visitas devem ser cuidadosamente programadas, pois as colmeias geralmente estão localizadas em áreas rurais e isoladas. Essa programação evita interferências humanas no ecossistema e reduz os riscos para pessoas e animais, já que as abelhas se defendem em grupo e ataques massivos podem representar graves riscos à segurança.”
Desafios da Apicultura no Brasil
Embora o Brasil seja mundialmente reconhecido por sua rica biodiversidade, quem trabalha com abelhas no País sente, na prática, os efeitos da redução da diversidade floral, causada principalmente pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
Hebert Monteiro, apicultor e responsável legal por um apiário em São José do Rio Preto, relata os desafios enfrentados pelo setor: “Cada vez mais precisamos buscar regiões distantes, especialmente fora do Estado de São Paulo, para manter a atividade apícola longe dos defensivos agrícolas. Isso acarreta custos elevados e obstáculos logísticos que afetam diretamente a produção.”
O professor universitário e médico-veterinário Fábio Rampazzo Alves de Siqueira, também responsável técnico por apiários, alerta para outra grave consequência do uso de agrotóxicos: “A mortandade de abelhas por intoxicação e envenenamento tem aumentado, causando sérios impactos na produção apícola.”
Além das ameaças químicas, as mudanças climáticas também têm afetado o comportamento e a produtividade das abelhas, como explica a médica-veterinária Maria Dulce Kortz Springer: “As abelhas são extremamente sensíveis ao ambiente e reagem a alterações climáticas, à qualidade do alimento e até a vibrações. Isso pode levar à mudança de comportamento, à redução da atividade nas colmeias e, como consequência, à queda na produção de mel.”
Ela também destaca outro desafio do setor: a falta de profissionais qualificados.
“Por se tratar de um trabalho técnico, minucioso e que exige dedicação, ainda há uma escassez de mão de obra especializada no País.”
Garantia de Qualidade
Diante do cenário de desafios enfrentados pela apicultura no Brasil, o consumidor também precisa estar atento à qualidade dos produtos que chegam ao mercado. A médica-veterinária Maria Dulce Kortz Springer faz um alerta importante. “Sabemos que há muitas fraudes envolvendo produtos de abelha, especialmente o mel. Por se tratar de um produto de origem animal, tanto o estabelecimento responsável pelo processamento quanto o próprio produto devem, obrigatoriamente, possuir registro sanitário, o que garante segurança, rastreabilidade e qualidade”, afirma. Além disso, é fundamental a atuação de um médico-veterinário como responsável técnico na indústria.
O apicultor Hebert Monteiro também orienta os consumidores a verificarem selos de inspeção e qualidade nos rótulos dos produtos.“O principal indicativo de segurança é a presença de um selo de inspeção, que pode ser municipal (SIM), estadual (SIE) ou federal (SIF/SISBI-POA), conforme o tipo de entreposto e a abrangência da comercialização. Esses selos comprovam que o produto foi processado em um estabelecimento registrado, sob inspeção veterinária e em conformidade com as Boas Práticas de Fabricação (BPF), controle higiênico-sanitário e rastreabilidade dos lotes.”
Preservação
Diante das ameaças enfrentadas pelas abelhas — especialmente as espécies nativas, mais vulneráveis à degradação ambiental e à introdução de espécies exóticas —, surgem iniciativas voltadas à preservação da diversidade genética desses polinizadores. Um exemplo é o projeto de conservação da Embrapa, como explica o pesquisador Ricardo Camargo, da equipe de agroecologia da instituição.
“Nós, da Embrapa, desenvolvemos um projeto nacional voltado à conservação genética de diversas espécies animais. Algumas unidades da Embrapa são responsáveis por manter coleções biológicas com foco nas espécies de ocorrência local. No caso da região Sudeste, essa responsabilidade é da Embrapa Meio Ambiente, que mantém uma coleção com 12 espécies de abelhas, consideradas patrimônio genético. Esse material também é duplicado e armazenado na coleção nacional mantida em Brasília, garantindo sua preservação e disponibilidade para pesquisas futuras.”
Um pouco de história
O Dia Mundial das Abelhas é celebrado todos os anos em 20 de maio. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo de conscientizar a sociedade sobre a importância das abelhas e de outros polinizadores para o equilíbrio ambiental e a segurança alimentar.
A iniciativa também busca alertar para o preocupante declínio das populações de abelhas em todo o mundo — uma queda impulsionada por fatores como o uso indiscriminado de pesticidas, as mudanças climáticas, a perda de habitat e a expansão das monoculturas, que reduzem a diversidade de flores disponíveis para alimentação desses insetos.