Sporothrix brasiliensis: fungo descoberto no Brasil deixa saúde pública em alerta

Tratamento e notificação de casos da esporotricose são essenciais para barrar expansão da doença
Texto: Comunicação CRMV-SP
Imagem mostra gato em cima de uma árvore.
Foto: Pixabay

O fungo Sporothrix brasiliensis, descoberto em terras brasileiras, é responsável por causar uma micose subcutânea que afeta principalmente gatos, mas também cães e até humanos, entre outros animais. A esporotricose já foi uma doença ocupacional “de jardineiro ou de criadores de rosa”, por seu agente sobreviver em terra, galhos, espinhos e cascas de árvores, mas atualmente é preocupação para a saúde pública.

“Com o passar do tempo, felinos passaram a ser especialmente suscetíveis por causa de hábitos como arranhar, esfregar-se no solo e enterrar excretas”, relata Anne Pierre, coordenadora técnica do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de São Paulo (CRMV-SP). 

A transmissão se iniciou na cidade do Rio de Janeiro e se espalhou rapidamente após 1990. Atualmente, está presente em pelo menos três regiões do País. Profissionais especializados em saúde pública destacam a importância de fortalecer políticas conjugadas de notificação compulsória, mapeamento de focos da doença e de sua expansão, diagnóstico precoce dos casos felinos e de humanos, seu tratamento e isolamento.

“Essas ações, além de outras como o controle populacional de gatos nas áreas mais acometidas, a educação em posse responsável e o estímulo à adoção para minimizar a população de animais comunitários são importantes medidas para evitar a expansão dessa endemia”, analisa Marconi Farias, professor de Dermatologia Veterinária e Chefe do Serviço de Dermatologia e Alergia de Animais de Companhia da PUC-PR.

Cenário

Anteriormente à década de 1990, o fungo Sporothrix brasiliensis se situava somente em regiões próximas de São Paulo e Rio de Janeiro, de acordo com o Centers for Disease Control and Prevention. No entanto, tudo mudou em 2018 – casos de esporotricose foram encontrados em dez estados do País. Já entre 1998 e 2016 havia mais de 4.500 casos em humanos.

A esporotricose continua em ampla expansão pelo território nacional, principalmente nas regiões Sudeste, Sul e Nordeste, além de descrições de casos animais e humanos na região Norte e Centro-oeste. Também está se alastrando para outros países da América Latina, tais como Argentina, Paraguai e Chile.

Como identificar

Quando o gato ou cão apresentam lesões ulcerosas, exsudativas e crostosas, que não cicatrizam, principalmente em face, pavilhões auriculares e membros, a esporotricose deve ser considerada como um dos diagnósticos diferenciais. Os casos mais graves são de acometimento nasal e sistema respiratório.

Já em humanos, caso haja contaminação, a pele pode apresentar lesões nodulares; nódulos com o centro ulceroso, isolados ou com configuração linear, próximos às vias linfáticas adjacentes (“aspecto de rosário”).  É importante verificar no histórico se houve contato com gato possivelmente infectado.

“Em gatos com suspeita de esporotricose, o exame citofungoscópico, de material corado com corantes hematológicos rápidos, em ambientes ambulatoriais ou laboratoriais médicos veterinários, deve ser preconizado, já que permite a consecução imediata de diagnóstico presuntivo”, declara Fabiana Monti, Doutora em infectologia dermatológica da PUCPR e Coordenadora do Curso de Especialização em Dermatologia e Alergologia Veterinária da Anclivepa-SP.

Diagnóstico
Foto: Freepik

Posteriormente, a amostra é enviada para cultivo fúngico para se estabelecer o diagnóstico definitivo. “Em casos cutâneos localizados, rinossinusais, oftálmicos e extracutâneos, quando há ausência de leveduras no exame citofungoscópico, o exame dermatohistopatológico pode ser realizado, com colorações de rotina, como H&E seguido do PAS, ou de exames sorológicos por ELISA”, detalha Fabiana.

“Métodos para diagnóstico molecular estão, também, sendo investigados e desenvolvidos pela USP e pela Unifesp, e, no futuro, poderão permitir um diagnóstico rápido, sensível, específico e com identificação da espécie envolvida”, finaliza a doutora em infectologia dermatológica.             

“É fundamental que casos de esporotricose felina tenham um diagnóstico precoce devido ao potencial e real risco de transmissão zoonótica, a partir de acidentes traumáticos com os animais acometidos ou pelo contato com exsudato e secreções respiratórias contendo leveduras do Sporothrix brasiliensis”, destaca o Chefe do Serviço de Dermatologia e Alergia de Animais de Companhia da PUC-PR.

Notificação de casos

O Ministério da Saúde recomenda que todo caso suspeito ou confirmado em gatos ou cães seja notificado pelo médico-veterinário às autoridades de saúde. Do mesmo modo, qualquer um que encontrar gatos ou cães que apresentem sintomas deve fazer a notificação no REDCap.

Infelizmente, ainda, conforme Portaria-GM/MS nº 1. 102, de 13 de maio de 2022, a esporotricose não é de notificação compulsória, tanto em animais como em humanos. “Como a notificação não é compulsória no País, não há fluxos disponíveis para sua vigilância no nível nacional. Mas é importantíssimo que seja feita, pois possibilitará a investigação epidemiológica, a implantação de medidas preventivas e o tratamento imediato do animal”, destaca Mário Ramos, membro efetivo da Comissão Técnica de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP.

“A conscientização da classe médico-veterinária, para a necessidade da notificação dos casos animais é fundamental, para que se possa ter uma real dimensão dos casos em âmbitos municipais e estaduais, o que pode subsidiar o estabelecimento estratégico de políticas públicas e seu controle, visando mitigar a expansão do agravo”, declara a especialista da PUCPR.

Cuidados

Ao encontrar gatos que parecem doentes, evitar contato inadvertido, pois a transmissão pode ocorrer por implante traumático a partir de arranhaduras, mordeduras ou por meio de exsudatos das lesões e secreções respiratórias.

O médico-veterinário é o profissional que vai orientar com relação a cuidados relativos ao animal. Um dos mais importantes é que ele deve ficar domiciliado durante o tratamento para evitar dispersar o fungo. “A fim de se evitar riscos à saúde dos animais domésticos é indicado que o gato ou cão doente fique totalmente domiciliado e isolado, evitando-se assim contato e possíveis brigas com outros animais e acidentes diversos, predispondo-os à transmissão e ao contágio de doenças”, explica o membro da Comissão de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP.

Ele também recomenda telas de proteção, nas casas e apartamentos que possuem gatos, em janelas, terraços e outros locais que deem acesso ao exterior da residência, ou a utilização de outros obstáculos que impeçam a saída do gato da residência ou a entrada de animais estranhos.

Proteção extra

“Já o profissional não pode deixar de usar equipamentos de proteção individual (EPIs) como luva, avental e óculos”, lembra a coordenadora técnica do CRMV-SP. Os tutores também devem usar luva e material de EPI na manipulação do animal conforme orientação do médico-veterinário.

O lugar onde o animal fica deve ser higienizado com Hipoclorito de Sódio (água sanitária) na diluição de 1:3. É preciso enxaguar após passar o produto e esperar secar antes de deixá-lo no local.

A esterilização cirúrgica dos animais também é recomendada, para mantê-los mais calmos, dóceis e “caseiros”, prevenindo contatos com outros animais infectados e ambientes contaminados com esporotricose. “Porém, em animais em tratamento para esporotricose, a realização desse procedimento só é aconselhada após a alta”, relata Ramos.

Avaliação

Há tratamento para a esporotricose, então não se deve deixar de realizá-lo. É possível buscar o atendimento de um médico-veterinário particular ou o que é realizado gratuitamente por algumas prefeituras.

Quando os casos de esporotricose começaram a aumentar, a prefeitura de São Paulo, por exemplo, passou a disponibilizar tratamento nas Unidades de Vigilância em Saúde (UVS). Em outros municípios, é preciso verificar se há essa disponibilidade.

“A eutanásia somente pode ser indicada nos casos de muita gravidade e que não sejam responsivos ao tratamento, após avaliação por médico-veterinário, conforme Lei Estadual nº 12.916, de 16/04/2008, e Lei Federal n° 14.228, de 20/10/2021”, lembra o membro da Comissão de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP.

Entre 75 e 80% dos gatos tratados respondem favoravelmente à terapia

Marconi Farias, professor de Dermatologia Veterinária da PUC-PR

Tratamento

O médico-veterinário é o único profissional que pode prescrever o tratamento para os animais. “Normalmente, é feito com antifúngico oral e pode durar até seis meses,” conta a coordenadora técnica do CRMV-SP. O Itraconazol é o medicamento mais usado e, em casos mais graves, pode ser associado ao Iodeto de Potássio.

“É importante que o tutor realize o tratamento completo, porque o fungo pode permanecer ativo mesmo que o animal não apresente mais sintomas”, ressalta Anne Pierre.

“A condução dos casos de esporotricose é complexa. Fatores como o potencial zoonótico, a gravidade do caso, a ausência de adesão ao tratamento por parte do responsável, a falta de resposta do paciente, o perfil socioeconômico do responsável, entre outros, pressupõem momentos de tensão entre o profissional e o responsável pelo paciente”, analisa Ramos.

Para tratamento médico no ser humano, é preciso procurar a Unidade Básica de Saúde mais próxima e relatar a situação: se apresenta erupções em alguma parte do corpo e teve contato – especialmente se sofreu arranhadura ou mordedura – com gato que apresenta lesões cutâneas.

Saúde Pública

Estudos recentes demonstram maior distribuição da esporotricose animal em regiões de condições socioambientais baixas e com populações vulneráveis. Mario Ramos, membro efetivo da Comissão Técnica de Saúde Pública Veterinária do CRMV-SP, explica que a transmissão se estende em animais comunitários que, normalmente, não possuem controle higiênico, sanitário e reprodutivo adequado.

“Muitos dos felinos provenientes desses locais chegam ao atendimento médico-veterinário com quadros graves de esporotricose, alguns com enfermidades associadas à imunodeficiência e em estado nutricional e sanitários precários”, relata Ramos.

“Preocupa muito a ausência e negligência dos entes públicos com as principais doenças de caráter zoonótico, haja vista o que está ocorrendo com a esporotricose. Deveriam imediatamente criar e fomentar políticas públicas de saúde única robustas, com ações de vigilância, orientações sobre a doença, cuidados preventivos com o animal e o responsável, entre outras”, destaca o profissional.

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